O que sobra de nós
O que sobra de nós é apenas isto
Um mastro de silêncio
Um vento que se arrasta
Um azul de tempo que nos povoa
Como uma videira da mais pura casta.
Na brisa branca baloiça a limpidez do destino
O vazio da tarde desenrola-se nas pupilas
Há um temporal de estátua... cristalino
Há uma porta em mim a abrir-se para o vazio
De uma vaga que corre na vastidão da água
Como se nascesse de um tempo pequenino
Que no meu corpo feito de uma ternura sem memória
Se arrasta...
Diluem-se os instantes
Inclinam-se as memórias
Por detrás da esperança ficam passos
Por detrás dos rostos ficam rastos
Por detrás do vento...o próprio pensamento
E no caos da amargura fica a própria vida
Exposta ao vento.
Espuma repetida na lonjura
Verdade a ressoar na esperança
Tempo obscuro...tempo de criança
Densa mágoa a ressoar na náusea da ternura.
Na luz feita das cores de que eu duvido
As aves partem soltas
Como se renunciassem aos galhos que as sustentam.
Despeço-me dos jardins onde germina o silêncio
Visto-me com o reflexo de outro que não eu
E vou...alheio aos deuses
Como uma penumbra que destoa dos homens.
Em vão procuro nos lagos o reflexo das verdades
Em mim descubro as ruas do pecado
Caminho nas linhas retorcidas das tardes
Como uma náusea sem destino nem corpo onde habitar
Como uma guitarra sem fado.
Mas as luzes brilham e paz perdura na chama das velas
Alheio a mim...ergo-me como um íman cego e surdo
À florescência das luzes que cegam o cais onde não embarco.
Sozinho...suspenso no silêncio...no vento
A noite rumoreja sobre o meu esquecimento...