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folhasdeluar

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O sétimo cansaço

Passo pelos dias

Deixo um rasto de resina sobre os versos

Como poderias saber onde estou

Se não fosse o meu odor a pinheiro?

Falta-me apenas que o vento me traga o teu perfume alado

E que os teus cabelos formem anéis de gestos tímidos

Gestos entrançados num tempo mineral

Desconhecido como um esconderijo.

 

Ainda ontem me pareceu ouvir-te dizer

Que voavas nas asas de uma água exausta

E que a música do vento

Nunca poderia apagar o cansaço que sentias

Mas seria falso não dizer que a minha alegria

Era apenas a espera dos teus olhos

Eu sei que existe esse lume que descreve o que somos

Esse cio inacabado e lento

Esse sonho onde a primavera descreve lunáticos volteios

Em torno das pétalas das papoilas

E eu sempre preso à terra

Agrilhoado a um barco seco

Reduzido ao espanto dos eclipses.

 

Penso nas ruas onde crescem enevoadas intimidades

Penso em despir-me do pasmo

Que me causam as plumagens das aves

Quero ser um vertiginoso nómada de mim mesmo

Uma gota orvalhada que se desprende das flores das narcisos

E talvez te usasse como uma tatuagem incandescente

Agarrada a um peito onde pendem pesadelos de ferro

Forjados em ervas e relâmpagos

Dar-te-ia o chão mais enternecido

Se o outono não o tivesse arrancado de mim

Dar-te-ia o meu nada..a minha chuva...a minha trovoada

Se tu despontasse desse nevoeiro

Que fende os braços e as raízes das palmeiras.

 

Descuidei-me de mim e sentei-me no dorso das águas

Fui despedir-me do oceano

Onde bebemos as noites com impróprio vocabulário

Mas cheguei a ser

Como uma visão de pássaros presos às rédeas das palavras

Apenas para soltar as amarras da quilha presa ao lodo

Escrevi-te várias vezes

Não ouvi o teu corpo

Nem a tua boca veio aninhar-se na minha

Sou apenas...o sétimo cansaço de mim...

Paisagens irreais

Respiro fundo sob a chuva que cai num domingo distante

Os meus pés pisam a frágil neblina que me agarra à vida

No fundo do mar poisa o meu silêncio

E há séculos que possuo o abandono das madrugadas.

 

Por vezes disperso-me numa imensa superfície povoada por ossos

Erráticas névoas poisam sobre a vastidão profunda do silêncio

Mergulho em olhos que me penetram as veias

Oiço sempre o meu caminhar

Olho a estante onde os livros

São como roupa estendida sobre razoável ironia

Há tantos livros abandonados

Tantos homens cheios de insignificante soberania

O meu destino é deixar-me conduzir pelos teus cabelos

Mergulhar na infância dos dias

Dilatar a minha inconsciência de ser apenas um poiso de ave

E ser leve como a espuma

A minha casa não tem nome

É apenas um xisto absorto na contemplação da chuva

As minhas pegadas são falsos despojos de mim

São poeiras que invento para que me sigas

Os meus dedos lembram-se de descobrir caminhos

Onde silvam milénios feitos de papel

Tecem escorpiões no encantamento dos dias

Bebo esse veneno azedo que segue

Sob a implacável cegueira dos dias

É tudo um torvelinho..uma travessia

Uma emboscada feita de solidão

O mar seduz a sabedoria das águias

A madrugada caminha pelo lado inclinado do tempo

As feridas...são silêncios mortais

Leves ...como paisagens irreais...

 

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