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folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

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Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Ao longe...

Meu percurso...meu sol

Minha ilusão de ser pássaro

Minha concha onde deposito a memória das águas

Meu corpo fustigado por salinas

Não cabe dentro do meu desconsolo

Lancinantes dedos...envelhecidos ventos

Alma desarrumada no centro das sombras

Por cima de mim passam memórias...retratos

Epicentros de rostos afastados

Dispersas redes anunciam voos imprevistos

Resistências de chuva e areias

No abdómen do cansaço resiste o vislumbre de um olhar

De uma breve penedia

De um tempo pesado a sorrisos

Como chuva que improvisa o consolo dos solitários

A poeira vem de longe

Ali e sempre o infinito...o tempo

A magia sem rumo dos rostos

Ali as mãos...aqui os olhos

O encanto das dálias a acenar breves despedidas

Itinerário uno de outrora

O sonho encosta-se ao bojo das fragatas

As cicatrizes desfraldam as velas

E seguem suspensas na melancolia

E o rio... o labirinto

A alma sem peso nem combustão

Fluida como a gestação das plantas

Inocente como uma pétala...mineral e inconstante

As nuvens trazem saudades.

O mar acorda as guitarras...o corpo perde-se

Ao longe...

 

Bem ou mal...

Descarnadas sementes descem do olhar divino

A madrugada traz-me o instante onde o silêncio agonia

De longe em longe anémicas chagas rondam a minha alma

Disperso-me pelas alucinações do que me resta

Ausento-me do meu nome...sei o que não sou

Há uma linguagem irreal à minha volta..

sacra ou colorida por mansas espigas florescentes

Mas falta-me saber quais são os gestos frios...

O irreal...o arrependimento

Procuro acordar dentro do meu suor

A minha mão chama-me...sou o instante apologético

O defensor das feridas

O espelho florescente das árvores

Bem ou mal...

A minha agonia vai de charneca em charneca

De ausência em ausência

Até um que dia uma bala me fira o espírito

E me faça descansar

Obrigatoriamente...

Não quero abrir os olhos

Cambaleio dentro de um sonho

Não quero abrir os olhos

Não quero ver o deserto

Prefiro a tarde junto à enseada

O sal que bebo desabrochou em milhentos lugares

A névoa refloriu

Deixa que me sente junto à tua pele

Para que despertem em mim flores apaziguadas

E as minhas saudades renasçam nas estrelícias doiradas

Como uma charneca onde o mar é um desejo

E a tua casa um caminho matinal

Que eu percorro como um Adamastor do silêncio...

Eternidade

Floresta..fonte...ínsua onde as conversas declinam

Lira melódica onde a carne se embebeda

A imperfeição é a semente das ternuras

A juventude uma embriaguês

Junto ao vento

A terra é a seara onde o sol se recompõe

A teia luminosa das palavras

É a corda por onde o suor escorre... lentamente..

A iconoclastia surda e muda das imagens

Embebeda as teias e as gotas translúcidas

Promessas...promessas e mitos

Sorrisos e escombros...fêmea e cântaro feito de sorrisos

Posso dizer-te que há jaulas nas luas

E que os lábios mendigam despojos de violinos

Pouco mais há a dizer..

Os palhaços enternecem

Derramam sonhos como anjos louros

Quem sabe se o desgaste dos dedos não virá de uma musa florida?

Se os desejos são a sobrevivência dos caminhos solitários

E os jardins são paredes onde a noite sonha com a monotonia dos dias

Possa eu tocar-te com a pontinha dos dedos

E tudo será eterno...

Harmonias

E logo de manhã vejo os restos da noite

Enseadas...recantos...espigas imobilizadas no medo

Do alto descem dádivas

Gestos coloridos...colibris alucinados...

Instantes tolhidos pelo orvalho madrugador

Ao meu redor dispersam-se sons de harpa

Será que me esqueci de ouvir o que resta de mim?

 

Da terra nasce a gravidez...

Começos de madrugada...ausentes pétalas macias

Onde será que fica a margem extrema?

A margem onde dos vagabundos descansam

Junto ao lodo...aos peixes..junto aos poetas

Onde será que dormem os peregrinos dos espelhos?

E onde ficam os restos das saudades dos pastores?

O pôr-do-sol banha as pétalas

Húmus irreal..descanso de batalhas e obuses

Ainda tenho na lembrança o instante

Em que colori a cidade com sonhos adolescentes

Ainda me lembro dos néons...das avenida

Dos olivais em que divagava junto da fome

Numa azinhaga feita de pedras emudecidas

A cidade era o meu recanto sibilino..

O caminho...a noite...as estrelas espelhadas na rua

Em volta de mim amoras enterneciam-se com o calor do verão

Amadureciam em minhas mãos feitas de água e penedias

As agulhas dos pinheiros eram breves infinitos

Esparsas rectas...areias tremeluzentes

Nada fazia crer que do medo nasceriam

Olhos e unhas e finos fios que nos atavam aos bosques

Hoje tudo mudou..as mãos já não são areias

A noite são circunferências..

O silêncio é uma semente de aqui e ali...

Vértices

No líquido dia rebentei como um triunfo da primavera

Olho as algas e flutuo em reminiscências de infância

Subterrâneos silêncios são meus cúmplices

Desgastam as ondas...iludem

Côncavos sons emergem dos olhos embaciados

Há búzios a flutuar nos copos...rimo-nos

Eu sou um eterno mineral fosfórico

As memórias são distâncias que já não percorro

Desfaço-me em roucos vértices

Longas ressonâncias de amores embaciados

Dizem-me que não chegam as lembranças

Que em redor dos olhos há fundas grutas e longas estrelas

E eu prometo calcorrear os campos e incendiar os lábios

Prometo ser o centauro que galopa pela planície assombrada

Enquanto dou nomes às quimeras e às luas

Tu vais de lezíria em lezíria..de sol em sol

Como uma ave que labuta na sombra escarpada das horas

E emerge sob a fluída maré

Como se fosses o rio que passa dentro de ti

E na matinal lonjura das gaivotas

Despeja o seu olhar enfunado.

 

Adormecimento

Lá onde todas as almas clamam pela redenção

E onde todos os destinos

Querem atravessar o fantástico pórtico do infinito

Porque há liberdade no sangue das aves

E as calotes polares tremem de medo

Perante o aquecimento das sombras

Lá junto à hera que escuta

As nascentes que alimentam a sede do meio-dia

Há um longo momento em que as montanhas

Se parecem com seres alados

E até onde a vista alcança

Há prata e abismos sobrepostos à saudade

Porém..nas trevas do enigma há uma alma quente

Uma alma que conhece a sombra escarpada do Destino

Como um presságio...ou uma criança que não nasceu

E que espreita por entre o verde da folhagem

A hora celestial em que os homens adormecem.

O teu corpo é um mar

Ágeis dias correm sob a nossa pele...

Do olhar soltam-se espelhadas dunas

Os vestígios do nosso corpo

Dormem injectados na face da nostalgia

Nada nos prende aqui..nem o olhar...nem as mãos

Nem as esquinas onde a vida caça seres abandonados.

 

O teu corpo é um mar onde as vagas

São vulneráveis tigres enjaulados

Ali... aniquilas a vontade de dividir os teus vestígios com a saudade

És um feroz deserto

Um pequeno orvalho que coalha a alegria

Pergunto-me se a luz vagarosa

Ainda te prende ao meu destino

Ou se simplesmente desertaste

Para dentro de uma máscara veneziana

Olhando pasmada as esquinas do Grande Canal

Enquanto eu me rendo ao temores do que não sei de ti.

Imaginação

Por detrás de ti

O tempo respira o absoluto frenesim dos falcões

E o teu rosto é agora a ágil ave que prolonga o seu voo no infinito.

Não queiras ser a rebentação insuportável das vagas

Repara que o silêncio é feito de estranhos sonos

Onde há feras e coisas que te doem

Despede-te delas

Como se estivesses dentro de uma nascente de cristal

Não deixes que as tuas pupilas

Durmam em frente ao espelho

Desperta

Porque no bafo das sílabas está

A carinhosa rebentação das palavras

Não temas a terra que te toca as mãos

Envolve-te nesse céu que os teus olhos inventam

E perfeitamente acordado

Verás que não tens outra razão de existir

Imagina...uma e outra vez..

Que a noite te envolve nas suas mãos de lâmina

E que as estrelas usam máscaras espessas

Para que a harmonia dos sonhos

Nunca se desvaneça.

Gavetas vazias

Sabemos tão pouco dos dias

Em que quietos iludimos a ternura

Sabemos tão pouco do vento

Que nos afagava as palavras ternas

Havia a fogueira e uns lábios embaciados

Havia o sal que escorria pelo teu ombro

E eu mordiscava com um sorriso

Hoje abro os olhos e vejo luas e manhãs

Mas não encontro os nossos corpos

Se eu conseguir que a morna tarde

Se prolongue pelo universo...talvez tu voltes

Talvez me digas que já não encontras outros dedos para enlaçar

E que os papéis que o vento levanta

São despedidas de amores atrasados

Guio-me pela tua ausência

Como um rapaz que trai a sua pele

Descubro que já nada me chega

Que a minha bebedeira é um aconchego de feitiços

E que tenho os olhos cheios de gavetas

Vazias...

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