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folhasdeluar

folhasdeluar

Iniciar sempre

Iniciar....iniciar sempre...ser chuva e flor

Conhecer o rasto de dezembro

Conhecer ...o fio...a luz...a despedida da geada

Procurar... por entre as folhas

A terra mastigada...a parede... o ar de maio

Tecer... a cal...a aranha

O anoitecer das folhas

O outono e o declínio da enxada

Pressentir...a gestação das ruas

A manhã dos corpos.

O frio impregnado de verão

Arrumar...o rio...a terra que nasce do luar

O rosto despido...queimado de sonhar

Reconhecer..o fluxo dos meses

O fluir das gaivotas...o ar interrompido

Sussurrar...desejos de veludo

Despedidas de tristeza...inquietações de novembro

E por fim...na putrefacção das sombras

Fotografar os ciclos da fermentação dos vales

Despedir-se do tempo das cegonhas

Arrumar as obrigações... e esperar

Pela fronteira indefinida dos mistérios...

Fantoches

Havia um riso de água dentro de um tempo lento

Uma voz de corpo perfumado por alfazema

Havia um sol

Uma mancha chamando pelo fumo da vida

E sobre a mesa

Uma jarra ornamentada pela ternura do tempo.

 

Pouso os olhos na voz das rosas

Fumo os segredos que escondem os lábios

Abstracções fosforinas

Tempo situado em todos os lugares

Beijo as lembranças do mundo

Para que servem as lembranças...os juncos

O arder de colchas e os segredos?

Para que serve o pouco tempo que temos...o incenso

O sangue nas mãos e as idades?

 

Há no ar um cheiro a pecado nu

Há no ar um rumor de buxo evadido

Na quietude do fumo reside a intemporalidade

O fim.. a esperança

No esplendoroso canto do melro

Há uma música feita de sílabas nuas

Nos corpos molhados pelo sal colam-se os perfumes..os esplendores

Há que andar depressa

Seguir os círculos concêntricos da vida

Beijar o canto das vozes

Há que cavalgar as cobras e os sonhos

Triturar as noites e esmagar os pecados

E depois...na extremidade das asas do vento

Arder...arder...arder...como fantoches!

Escuto o som das minhas mãos a envelhecer

Intrínseca hora desgrenhada por lábios de lírio

Pássaro vasto que voa na débil pena da verdura

Quando a noite se veste de anémona

Toco com dedos de alga na ferida da flor

Enquanto o frio beija as cortinas do tempo

Escuto o som das minhas mãos a envelhecer

E agarro o silêncio das palmeiras

Guardo-o num sopro de planta postiça

Para quando o gelo passar por mim

E as aves se abrirem em breves clareiras

Possa tocar na penugem das nuvens povoadas por brumas

E escutar a diluição dos pensamentos

Rugindo nos alicerces da caruma

Embalo a pérola assente num coração delirante

Ostra aberta ao tempo das demoras

Como mão que afaga o leite das horas

Como mão que agarra arpões incendiados na paisagem da púbis

E no fundo dos bosques

Os símbolos constipados das almas românticas

Falam de tímidas mandíbulas que devoram rústicos amores

Falam de doçuras embaladas na brancura dos lençóis

Arquejantes sonhos...exangues corpos...

Que fazer quando o coração é uma criança a devorar incêndios?

E a alma é um incógnito deslizar de pedras

Na corrente inflamada das feridas

Que fazer quando a noite cai inteira

Sobre o timbre devastado das melodias?

E os oásis são arcaicas glândulas de palavras

Que avançam pelo corpo dos desertos

Embalando infinitos..secando ao sol

Como peixes esvaziados de ternura

Olhos secos...braços fechados

Requebros de anjos assombrados

E os sonhos de ontem...e os fragmentos de hoje

E o vértice assombrado do escuro

Tudo renasce a cada segundo...

Como opíparo sal que dorme no ventre da alma.

 

 

Os homens-deuses

De um céu antigo desce a nostalgia dos olhos

Desponto na espessura cálida do nordeste

E vejo homens-estalactites

Pendurados nas abóbadas lascivas das palavras

E vejo homens assombrados pela beleza escura dos desertos

Homens-sonho...homens-digitais

Homens que procuram berços no canto dos pássaros perdidos

As luzes assombram o delírio das mansardas

Homens-espectro dançam nos recantos dos beirais

Com olhos líquidos derramando-se pelos glaciares das ruas

E há uma tosse a aliciar as tardes

Há gotas de água a escorrer pelas costas das árvores

E um homem-teia ondula no silêncio inócuo dos corredores

Como tonitruantes castas de assombro

Como húmidos voos de águias

Como despovoados alicerces sem eira nem beira

Assim andam...descalços...pelas paredes das casas

A colher amanhãs...os homens-deuses...

Chão queimado.

Corpo de cristal

Vulnerável horizonte bailando no espaço

Buraco imaginário som de equilíbrio

Dança de folha hesitante

O cerco da cinza

A submersão iminente de um murmúrio

Inesperada pose de folhagem aberta ao azul

Que sei eu do espaço?

Em que harmonia habito?

Que mastro me empurra na diluição dos dias

Que proa desfaz o muro

Que sinais me traz o vento

Vou errando pelas intermitências do impenetrável

Aceito a febre...o instante...a página branca

Aceito todas as direcções e a falta de direcção

Corro e sou apenas uns olhos em fogo

Tudo é confuso e tudo se apaga

Animal solta à claridade

Sopro que irrompe por dentro das veias

Que resposta darei à indecisão do espelho

Nada direi até que o saibro seja mole

E o sol seja mais que uma febre

Seja mais que uma pausa

Que ilumina o instante em que os corpos se levantam

De um chão queimado.

Corpo nu

O corpo que se esconde do olhar nu

O breve espaço do vazio

Côncavo ardor do beijo que se solta

Toalha de luz que suaviza a distância

Súplica do corpo livre...queda vertical

No chão nos desfaremos

Nu cúpula das árvores o vértice do exílio

Solidão anónima...filtro de sonho efervescente

O silêncio da montanha

Água e terra veios moldados a fogo

Duríssimo fluido escorrendo da noite escura

Outro som nasce do sono das algas

Outra abóbada pousa no cansaço das estrelas

Nada resta dos vincos da noite

Apenas o sopro de certas palavras

Alumia essa noite húmida

Essa magra lâmina que corta os olhos

Subitamente um galo corta o silêncio

E todas as dores se tornam brancas

Como se por debaixo da pele

O corpo permanecesse nu de todas as coisas.

Cores da manhã

Cores da manhã

Cores de abril ou maio...cores sem rumo cravadas nos olhos

Cores sem sentido

Atravessadas por quilhas de navios fantasmas

Impregnadas de veias paradas no tempo

Cores que surgem nas folhas secas

Horas caídas dos relógios.

Dormentes como flores de cristal

Reconheço o sentido das coisas..nas pétalas esmagadas

Nas asas estilhaçadas dos pássaros

Nos jardins...na poeira...nos meus restos

Nos livros arrumados em estantes feitas de memórias

Em cada estação há um sobressalto

Uma sombra que cheira a sonho...um tilintar de luas

Quando a manhã se aproxima

Acordam-se as mesas...as sebes..os corpos esquecidos

Quando a manhã se aproxima

Abrem-se portas...correm-se ferrolhos...a noite partiu-se

Relâmpagos eclodem nas árvores mais despidas

Melancolias trepam pela pele

Dobram-se as pálpebras

Comem-se desertos...sempre...sempre...

Como aves que cantam no cimo das colinas

Os ramos das árvores falam das sílabas do tempo

E nós..dizemos poemas nas tardes de jasmim.

Como se fôssemos perseguidos pela sombra do tempo

E bebêssemos sobressaltos

Por chávenas manchadas de sonhos..

 

A tinta das palavras

Falo da impossibilidade de ser homem

E arma...e pétala

Falo da transformação das quilhas

E da cal que sustém os símbolos

Falo do iodo e da memória

Do remo transido de medo

Da mão feita de cravo e canela

Falo das tempestades e dos relâmpagos

Das queimaduras... e das guitarras

E se as palavras não chegarem

Se as areias se mancharem de corpos

É porque a terra é um astro agarrado a fios de sangue

Colado a sussurros de fotografias

A gavetas onde as lágrimas se escondem dos olhares

A tabernas onde vinho impregna os ares

O sílex marca o lugar onde mastigamos carvão e cinzas

Vestindo veludos ardentes

Nas cavernas nasce o anoitecer

A aspereza da rocha contém o nosso nome

É esse o nosso destino...comer carvão...beber cinza

E guardar dentro de nós o fogo que as nossas mãos constroem

Porque os vidros movem-se por dentro das primaveras

E a verdade dos rostos

É a flecha que emana da tinta das palavras..

Coisas fugidias

E vamos como dunas enfunadas

Excessivas e fugidias

Em nós brilha a luz do fim

A sílaba que salta do cardume prateado

Nos oceanos moram os sonhos

As coisas sem nome

O corpo quente das distâncias

Esperamos que as marés nos tragam a garrafa

A mensagem que diz para não nos perdermos...

Trouxe-a um peixe

Carregou-a de significados

Separou-a dos pensamentos

Já não há mãos a acenar

Os comboios agora são apenas fins de cidades

As sensações são agora coisas que balbuciamos

Asas de pássaros submersos

Corpos de algures

Abandonos de flores...murchamos

Murchamos pelo excesso de palavras

Murchamos porque os rios são sementes de lodo

Murchamos...quais golfinhos sem cauda e sem família

Abandonados ao frio das redes

Corpo de homem e cabeça de marinheiro

Maré..maré...maré alta...estrela afogueada

Elemento primordial da divisão das estrelas...

fim e infinito

onde?

 

Na minha memória

Na minha memória tenho o teu corpo entrançado

A tua ausência é um cheiro que guardo

Um rosto...uns lençóis...um desejo

Demoro-me no meu deserto

Esqueço a noite e corro pelo vácuo

Sonho com a minha última visão

Poeta..peregrino amarelecido pelo esquecimento

Nunca mais voltarei a cantar com a tua boca

A dizer-te que nenhum outro rosto se sobrepõe ao teu

Vejo a neve... a frouxidão dos corpos

Cordilheira de gritos...dedos e sede de pele

Sonho que sou o canto da ave

O andarilho do violino

Persigo a quimera que se derrama dos dias

Busco nas flores o êxtase do teu lugar

Mas a corrosão dos caminhos é um espaço desabitado

Uma lua fingindo ser luz

De manhã percorro a monotonia que se derrama pelas ruas

Bocados de coração chegam-me à boca

Desfaço-me em lugares esquecidos

Afrouxo o passo...

Escuto o silêncio a esvair-se por mim adentro

Cismo pertencer à imobilidade do dia

Sei que em todos os lugares há abandono

Ausento-me do sonho de te reencontrar ...

Finjo ter asas de mariposa

Coloridas como sementes de paz...voo...parto

São horas de reflorir....

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