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folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

folhasdeluar

Poesia e outras palavras.

Sonho sonhado

Fabulosos passos..chuviscos

Sombra de águas distendidas

A mudança...muda...o mito

A raiva foge dos corpos

A esperança escorre pelos juncos

O perfume do poejo aloja-se dentro de nós

O amor ausenta-se...a lua suja-se

Ao longe vozes feitas de areia

Cheiram os despojos dos corpos

Muralhas erguem-se no vácuo

Lençóis lavam-se no sarro dos dias

O sono desperta nas fotografias

A cal cai das paredes...paradas...irrelevantes

A boca insiste em falar das coisas ausentes

Demoras...dedos..o teu cheiro

O deserto revela-se

Há um desastre em cada oásis

Uma túlipa em cada coração

A sede devasta o interior dos corpos

Assombra o esquecimento..cai sobre a poeira

Os dedos amarelecidos..o inverno cauteloso

O dia de papel...

Fanático como a Alqaeda

Desenvolvendo-se em rotinas assassinas

Que rosto se revelará nos dias escuros?

Que promessas eclodirão no aço das flores?

Que seiva morna escorrerá da sede?

É tempo do sonho das aves

Do abandono das sementes...de cantar

Eis aqui o dobrado afluxo do sal

A triste visão das mãos caídas...o aperto nos lábios

A alucinação inocente...as asas..as velas...o sonho impossível

Enfim sonhado...

Nada muda

A tua pele era um imenso mar

Uma flor feita de pássaros garridos

Há um tempo esquecido em cada cansaço

Uma luz que não regressa...uma despedida

Perante a tágide que voa no tempo que cai

Como a fluida ave que rasa a sombra

A lucidez da pupila renasce

O rio devora as imagens...a labuta..os despojos

Nas gaivotas flutuam tragédias

Comboios passam rente às recordações...a luz aquece

A maré submerge os varais

Assusta os pensamentos...

Reflete-se na alucinação dos mares

Confunde-se com a pele dos homens

A pele daqueles que caem...jazem

Dentro de um frio marítimo...matinal

Melodias aconchegam-se no ar

são sementes renascidas..feitas com pautas de algures

Há suor...há uma dívida para com o perdão

Um rosto perde-se...ecoa na paisagem

A pele efectua uma contradança

Eclesiáticos tempos...os templos devoram as almas

Mas o cansaço avança....mudo..surdo

Os pássaros voam...tudo muda...nada muda...

Esqueci-me da cidade

Sou um vagabundo dos instantes

Corro dentro de um relógio

Esqueci-me da cidade

E afastei-me como um barco carregado de histórias

Não há medo nesse matagal de memórias

Nessas meteóricas madrugadas de ausência

Circulo rente aos poços

Conto lendas ao sono das paredes

Paro para bocejar

De um momento para o outro

O ar cai sobre mim...vibram raros segredos

Sei que uma nova epopeia vem aí

Todos os dias a lucidez me persegue..

Sou o circuito errado da noite

O olhar vítreo das palavras

O espelho de noites de angústia

O sono fantasmagórico das luas

De que cor são as ruas que escorrem dos subterrâneos?

Como são os mundos que dormem no fundo da noite?

Luminosas pálpebras convidam-me a escutar as vergônteas

Sonham com estrelas

Esquecem receios

Sabem que o céu está pejado de nódoas

E que os sorrisos corroem a pele

As medusas parecem fantasmas

Flutuando sob a cegueira das ondas

Sempre..sempre...

Com o desumano fundo do mar a puxar-nos para dentro de nós

Como um ardor que murcha os dias

Ou como uma visão que atordoa os sentidos

Somos a reminiscência da terra

A mortalha dos deuses

E também somos a casa desarrumada de Cronos.

 

O sol salta sobre mim

Penso no cais longínquo que me espera

Nas hortas...nos bocejos

Resisto aos dias

Fecho-me numa equação sem fim à vista

Se a pedra onde me sento for mágica

Então o sonho cintilará

E à força da magia

Os poços darão frutos

E as crianças não se afogarão nas nossas histórias.

 

O ciclo dos olhos distende-se para além dos retratos

Os rostos cabem dentro da chuva

E o sangue das memórias

Corre pelos grãos suspensas sobre praia

Húmidas manhãs cantarão dentro de nós

E o sarro das saudades já não nos trespassará a alma.

 

Vem até mim a sombra dos rostos infinitos

O choro de um mineral calcinado

Tudo se conquista

Até os vidros embaciados nos falam da mortalidade

Junto à chuva vejo poemas

Dobro-me aos sonhos

Que são como voos de crianças cintilando nas avenidas

Perfuro o cansaço

Acedo à epopeia dos descalços...magoo-me...reflito

Volto a cara para a gestação dos meses

Mar e mais mar...sol a pino...poeira de salmoura

Ah se eu pudesse brincar com a ilusão de ser leme

Partir as ondas...lembrar-me do meu corpo

Ser um desejo ou uma lembrança

Mas nunca mais vou temer a vergonha de não ser brilho

Disseram-me para olhar os barcos

Ver nas estrelas salgadas..a viagem das conchas

Mas o sol salta sobre mim

Empurra-me para a minha própria suspensão

E na iridescência salobra do fogo que me consome

Acordo dentro de uma sombra.

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