Destinos improváveis
Entramos subitamente
Numa noite de inverno onde chovem ansiedades
Que despertam o voo das obsessões invisíveis
Somos a parede que reveste a vigília envenenada das madrugadas
A capa preta com que cobrimos as migalhas dos dias que nos restam
Comendo o adormecimento vago
De uma paisagem vestida de buracos viscosos
As nossas quedas usam asas infantis
Ardores de imensidão desmoronada
Rostos feitos de luzes etéreas
Corroendo as rosas que nos enfeitam
Somos súbitos olhares que usam óculos translúcidos
Desconsolados algerozes por onde escorre a nossa espuma
E tudo em nós persiste
Num escondido ardor que o sangue transporta
Todos os dias o nosso revezar de paisagens
É um restolhar da infância
Todos os dias sobramos
Como terra cheia de palavras escritas pelos vulcões
Somos a imensa erupção de um consolo inacabado
A fascinante imagem de um fim
Um fim que é um pacto selado com aqueles que nos amam
Porque a nossa luz
Se esconderá num caderno ou num vapor feito de palavras
Onde a nossa paisagem despovoada dormirá descansada
Sabemos que nunca enganaremos a viscosidade do destino
E que os sobressaltos irrompem sempre que vigiamos o mundo
Como asas de pano nu tapando máscaras aborrecidas
Atravessamos nuvens e sóis
Desmoronamentos de céus cercados de túmulos
E obsessivamente pensamos que devemos lavar o rosto
Tirar a pintura aflita que nos cobre
Mas os sobressaltos são pactos de sangue
São avisos de pálpebras transparentes
São sulcos de felizes corpos desnudados
Onde gemem destinos improváveis.