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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Um feliz 2023 a todos os colegas dos blogues

Mais um ano que acaba. E tantos avós que precisam de palavras. Será que dizemos ou dissemos tudo o que queríamos, ou tudo o que devíamos dizer? Acho qque não. Somos demasiado pequenos para isso. Somos demasiado pequenos para a grandeza de tantas palavras. Por isso procuremos aquelas, aquelas pequenas palavras que podem aquecer o coração.

Feliz 2023 para todos

As nuvens também sonham

Da grande vida cai-nos um peso em cima

Momento raro em que o infinito se cala

O que há entre nós e o que sempre houve

Esmorece numa tela de memória intacta

Mas quando as ruas se esquecem da nossa sombra

As nossas raízes erguem-se

Porque as nossas raízes ainda não se esqueceram de nós

E vamos de braço dado com tudo o que não entendemos

A nossa força cresce numa identidade que desconhecíamos

Os ventos e os sóis beijam-nos num amparo de harmonia

E somos a foice que se ergue na curvatura do que nos magoa

Que nunca nos abandona

E corta rente a agonia que nos cala a voz

E somos maiores que as tristezas

Porque há um imenso céu

Onde podemos espraiar os nossos esmorecimentos

Enquanto a nossa voz dá pronúncia à vida

E a vida voa num silêncio de borboleta

Que nos carrega em direcção a um tempo quebradiço

Onde a nossa jugular palpita como se não houvesse na terra

Nada mais para vencer

E tudo o que há para viver é essa vida que temos

E que carregamos como lenha que aquece a nossa lareira.

 

 

Para a Françoise 27/dez./2022

A velha oliveira

Se eu quiser chorar até encher os lagos

Com lágrimas feitas de incenso

Talvez os nevoentos abismos se inflamem

E despertem em salivas de doçura

Mas há caminhos onde o asfalto

Irradia a sua negrura intemporal

Como se nós fôssemos aves medonhas

Rugindo sobre cidades turvas.

 

Separam-se os corpos

E as lamas invadem as memórias

Curvamos o mundo

Dobramo-lo em suaves reflexos prateados

Consumindo-o para além de todas as luminescências das marés

Deixa-me abraçar esse mundo em crisálida

Deixa-me voar na chama alucinada de uma cartomante

Deixa-me deitar nas labaredas que decoram os tronos antigos

Assumo que sou um louco feito de marés

Onde se escrevem naufrágios com letras de perdição

Que ando descalço só para perceber a terra

Que ardo num tempo onde os desertos desembocam

E que suspendo o meu sorriso numa velha oliveira.

Paisagem solar

Pairo sobre a noite como um tresloucado reflexo de fogo

Onde ardem borboletas que habitam muros de pedra

Não deixam sinais nem rompem os casulos

São ainda crisálidas ansiosas

Subitamente vejo o caminho

Que reluz no rosto de uma paisagem solar

Arrastando consigo pássaros que pernoitam debaixo das pontadas

Onde os silêncios se acocoram como sexos dilacerados

E os desamparados debicam crimes em luzes de néon

Debruço-me sobre esses caminhos

Contaminados por inacessíveis asfaltos

O meu halo de luz estremece no teu corpo

Expande-se nas tuas mãos quentes

E como lume enlouquecido

Olho-te como um corpo que quer pernoitar na alucinação

Ergamo-nos do nevoeiro que se veste com cintilações de luzes frias

Façamos do corpo uma insónia líquida

Dilaceremos as memórias negras com noites sequiosas

Deixemos a saliva escorrer

Pelos caminhos que conduzem ao prazer

Podemos até cometer um crime harmonioso

Algo como laminar um pássaro de areia

Ou beber mel pelos favos de um ninho de abelhas

Tudo é possível se não nos escondermos

Na seiva enlouquecida pelos abismos

Em todo o lado podemos destroçar as pontes inacessíveis

Que contaminam os dias

Enquanto lentamente nos deitamos no rosto da areia húmida

E descobrimos que o sol é negro

E o desamparo é lume frio

E o medo...

É uma ave ensanguentada pelas trevas.

Dor

Dói-me a saudade que ainda não sinto

Dói-me a saudade de um amor puro e lindo

Dói-me o dia incerto e o fugaz momento

Tu ou eu quem ficará

Quem planta a flor?

Quem de noite vem espreitar as constelações

Quem espevita a lareira

Quem se emociona com a vermelhidão do poente

Ou com a luz nocturna das estrelas no mar profundo

Quem escutará o teu riso cristalino

Riso puro de criança com sonhos

Riso puro de adulta simples

E a calma amplidão dos abraços

A quem os poderemos oferecer?

Mas eu sei que um dia lá estaremos

Podando o nosso canteiro de rosas

Colhendo as flores das hortências

Fazendo marmelada com a nossa pequena colheita.

 

Dói-me a saudade que ainda não sinto

Dói-me a dor que ainda não tenho

Mas sei que sempre te procurarei

Que todas as esquinas da lua não te podem esconder

Que numa solitária praceta do céu

Te esculpirei uma estátua de estrelas

É isso que este gume que me corta me diz

Que quando alguém se transforma em ar

Miríades de flores desabrocham

Em jardins de encanto e paz

Que quando o seu rosto se esvai

Uma lenda de amor cresce no peito de quem fica.

 

Dói-me este pranto interior que não choro

Dói-me este céu onde não posso chegar

Dói-me o invisível e a serenidade da morte

Dói-me a profundidade da Via Látea

E o espantoso silêncio dos céus

Mas sei que um dia lá entraremos

E como uma brisa ligeira

Correremos ao nosso próprio encontro.

Indivisos

Caminhada de amor

Mistura de mãos passeando

Sorriso de madressilva feliz

Cheiro a instante verdadeiro

Cheiro a corpo amado

Junco de amor...olhos fechados

Amor...lei de natureza sem lei

Lei de mundos apertados

Olhos em frente a olhos

Batalha de estrelas siderais

Para onde iremos?

Que músicas nos farão embalar?

Que músicas nos embaciarão os olhos?

Tanta coisa ainda a esperar

Tanto fogo ainda para beber

Caudal de tempo a escorrer sobre nós

Manancial de sensibilidade...luz

Nenhuma verdade para além de nós

Nenhum escuro para além de nós

Nenhuma espera para além de nós

Sentimos os contornos de nosso corpo

O nosso corpo uno

O nosso corpo e mais ninguém

Alguém de nós terá saudades?

Não! A saudade somos sempre tu e eu

A vida é uma suspensão granítica

Um pó que suavemente sacudimos

Uma liteira de eternidade efémera

Carregando-nos deitados lado a lado

Enquanto construímos letras com a vida

Enquanto fazemos versos com o olhar

Porque somos lume aceso

Que ficará para sempre a pairar no silêncio

Porque somos espuma e mar

Onda congelada num momento

Em que pingamos serenidade

E de nada mais precisamos

Para sermos indivisos.

Um amor claro e profundo

Vejo que são ainda longos os caminhos

Vejo que são ainda fundas as brisas que nos acariciam

Sei que pernoitaremos numa areia clara e fresca

A nossa extinção será uma memória transparente

Será um perfume que se soltará ao vento

E uma melancólica fonte que canta

Enquanto as suas águas são leves passos de prata

Que escorrem como um leve e doce sono

Um idílico sono onde colheremos rosas nocturnas

Vestirás um vestido branco feito de silêncio

Escutarei a música que a nostalgia me trouxer

Entrelaçaremos os dedos numa dança só nossa

Passearemos por jardins onde as amoras nos esperam

E agarraremos a noite....a nossa noite

Angustiosa noite onde nos extinguiremos

Como se nada mais houvesse

Como se os lagos florescessem

Quando com a ponta dos dedos provarmos a sua água

Que não será água...mas uma frescura encantada

Que nos unirá...rosto contra rosto

Espelho de fantasia

Num adeus eterno...numa prece profunda

Que a noite abraçará nas searas cobertas de sombra

Que a planície doirada lembrará

Como fomos gestos e sopros

Como fomos um amor uno...claro e profundo.

As fagulhas

Danças...cintilas

Olhas-me pelas vidraças de um baço desamparo

Estou inacessível como um líquido alucinado

Sou feito de papel contaminado

Por palavras que escondem ventos feitos de pedra

Ventos que murmuram abandonos dilacerados

Que falam de ensonadas paisagens

Escondidas em sequiosos fins de tarde

E não podemos estremecer

Nem dilacerar mais as pontes que ruíram.

Despertemos calmamente das cortantes paisagens negras

Dos lugares onde cintilam pássaros de fogo

Enlouqueçamos sobre os nossos corpos

Separados pelo denso nevoeiro

É tempo das memórias irromperem pelos poros

De ganharem asas

Dos sonhos pulsarem repletos de melancolia

De flutuarem sobre os destroços dos dias

Até que as trevas se esmaguem de encontro às labaredas

Onde as fagulhas saltam

Como crianças sopradas pelo espaço

Rindo-se para nós.

 

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