Paisagem solar
Pairo sobre a noite como um tresloucado reflexo de fogo
Onde ardem borboletas que habitam muros de pedra
Não deixam sinais nem rompem os casulos
São ainda crisálidas ansiosas
Subitamente vejo o caminho
Que reluz no rosto de uma paisagem solar
Arrastando consigo pássaros que pernoitam debaixo das pontadas
Onde os silêncios se acocoram como sexos dilacerados
E os desamparados debicam crimes em luzes de néon
Debruço-me sobre esses caminhos
Contaminados por inacessíveis asfaltos
O meu halo de luz estremece no teu corpo
Expande-se nas tuas mãos quentes
E como lume enlouquecido
Olho-te como um corpo que quer pernoitar na alucinação
Ergamo-nos do nevoeiro que se veste com cintilações de luzes frias
Façamos do corpo uma insónia líquida
Dilaceremos as memórias negras com noites sequiosas
Deixemos a saliva escorrer
Pelos caminhos que conduzem ao prazer
Podemos até cometer um crime harmonioso
Algo como laminar um pássaro de areia
Ou beber mel pelos favos de um ninho de abelhas
Tudo é possível se não nos escondermos
Na seiva enlouquecida pelos abismos
Em todo o lado podemos destroçar as pontes inacessíveis
Que contaminam os dias
Enquanto lentamente nos deitamos no rosto da areia húmida
E descobrimos que o sol é negro
E o desamparo é lume frio
E o medo...
É uma ave ensanguentada pelas trevas.