As nuvens também sonham
Da grande vida cai-nos um peso em cima
Momento raro em que o infinito se cala
O que há entre nós e o que sempre houve
Esmorece numa tela de memória intacta
Mas quando as ruas se esquecem da nossa sombra
As nossas raízes erguem-se
Porque as nossas raízes ainda não se esqueceram de nós
E vamos de braço dado com tudo o que não entendemos
A nossa força cresce numa identidade que desconhecíamos
Os ventos e os sóis beijam-nos num amparo de harmonia
E somos a foice que se ergue na curvatura do que nos magoa
Que nunca nos abandona
E corta rente a agonia que nos cala a voz
E somos maiores que as tristezas
Porque há um imenso céu
Onde podemos espraiar os nossos esmorecimentos
Enquanto a nossa voz dá pronúncia à vida
E a vida voa num silêncio de borboleta
Que nos carrega em direcção a um tempo quebradiço
Onde a nossa jugular palpita como se não houvesse na terra
Nada mais para vencer
E tudo o que há para viver é essa vida que temos
E que carregamos como lenha que aquece a nossa lareira.
Para a Françoise 27/dez./2022