Folhas de luar ao vivo
Créditos musicais: Giovanni Gabrieli - Sonata pian' e forte (1597)
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Créditos musicais: Giovanni Gabrieli - Sonata pian' e forte (1597)
Esquadrinho a penumbra dos meus passos
Vejo as marcas de alguém que pisou o meu passar
E por entre o infinito dos meus dedos
Foscos xistos dizem-me coisas incapazes de pensar
Porque falam comigo as vozes das arestas?
Porque me fitam as paredes lisas...de cal
Onde está esse jardim da madrugada
Em que perdi a minha imagem vertical?
À esparsa luz das teias invisíveis
Cobrem-se gestos...despem-se máscaras
Os olhos brilham no fundo oculto dos sentidos
Tilintam ambições na voz quebrada dos poetas
Descem suores de sol pela pele da poesia
E o mundo ri-se das flores...desertas
Crescem atalhos brancos no pensamento
Onde o lápis é o cajado das palavras
O amor pode florescer numa jarra de papel
Ou no centro de um silêncio exilado.
Dentro de um difuso espelho
Vejo espraiar mares
Que acordam agora a minha voz
Imolada numa rua de cordel
Despida de alma e de luar
E encontrada num gume de flores azuis.
Piso irrespiráveis espaços
Ardendo por dentro das palavras
Volume vazio de dias
Oferecidos aos corpos angustiados
Existir é saber que todos os sonhos
São caminhos feitos de paisagens ilusórias
Que toda a felicidade é uma amante
Procurando a imperfeição das tardes,
Caminho na direcção
De um sonho vazio construido com ventos
Guardo esse sonho
No canto de uma vaga gaveta
Onde a sombra o faz brilhar.
Olho para as ruas na hora de ponta
Vejo diluir-se a incerteza nos relógios
Cada um ensaia um passo de ballet
Cada um é pintura de falsa de Degas
E as horas de ponta são o seu palco.
Olhos hirtos..passos suaves
Sombrias poses coladas a uma dança etérea
Amas os dias em que os lábios se esforçam
Por encher a luz de palavras
Amas os dias em que és a própria luz
Que emana dos teus lábio
Lábios de marés...saibro de espinhos
Alguma vez soubeste
Que uma lívida flor espreita
Por entre o caule da primavera?
E que da plena suspensão do pensamento
Nascem geometrias agitadas?
Ou que o peso dos beijos
Tem o encanto das pedras?
Sim...tu sabes que o escuro
É um fino ébano a agitar ilusões
Uma pequena brincadeira de cabra-cega
Que tu consomes nas noites de luar
Como se assistisses um enorme parto
De estrelas...
Caído da noite está o momento
Em que a vida te espera
Como ave branca
Que voa no espaço inalcansável de ti
Levantas os olhos
E percebes a dimensão incomparável da manhã
O teu corpo recorta-se por fora das palavras
A tua mão toca o pequeno espaço da Vida
Sabes que na distância
A saudade levanta as pálpebras matinais
Vê as razões da partida
Emociona-se com o pequeno voo dos silêncios
Deita-se como se fosse vapor condensado
No começo incompreensível das coisas
E o voo acontece..a razão discorda
A ânsia amansa..já não é a mesma saudade
Agora é uma folha que cai... calada
Aos pés de um tempo sem futuro...
Finalmente adormeces
A noite dói-te...e o vazio abre-se
Como uma janela voltada
Para uma presença ausente!
Inventas sonhos puros
Como abraços imolados
No corpo cansado dos dias
Conheces …
O sabor adocicado de um tempo feito de sorrisos
Um tempo sem passado.
Corres...
De flor em flor como se quisesses sobreviver ao tempo
Sabes..
Que as aflições clamam pelo sol
E que o sono tem a dimensão inexplicável do mundo.
Quem vive dentro daquele pequeno oásis de si
Sabe...
Que adormecer é aproximar-se dos sonhos
É perceber o começo de si
E por vezes nas noites de verão
Até pedes à madrugada
para se aconchegar contigo
Dentro do belo canto das cigarras.
Sabes que há uma distância..um sinal
Uma saudade de ser abraçado pelo silêncio
Como se fosses uma ilha deserta onde nada falta
Nem os abraços...nem o silêncio.
Mágica era a luz esverdeada dos sentidos
Livre era a água que corria pelas línguas
Do sono emergiam os anos..como árvores
Como folhas caindo... uma após outra
Na madrugada...silenciosa e muda....
As pessoas querem abrir os braços
As pessoas acreditam na beleza inesgotável
De uma pedra que vive no fundo de si
As pessoas têm a clareza turva
Dos lagos parados no tempo
Mas não há tempo absolutamente nenhum
Não há lago absolutamente nenhum
Não há paragem no tempo nem velocidade
É tudo tão simples...tão compacto
Tão feito de coisas lisonjeiras e estranhas
Que tocar nas mãos de alguém
É como tocar num céu
Feito de pequenos poros cristalinos
Poros vivos como flores de prata
Ou como a pureza de uma sedosa vigília encantada
Onde esperam que uma luz lhes toque
Na profunda claridade dos olhos
Como se fosse algo que querem muito
Que esperam muito...que temem muito
Algo que as faz sentir que são o tempo
Que sustenta toda a nossa alma
Imperfeita...insegura...ala de vela ao vento
Mas que nos basta para sermos um segundo
E uma vida...