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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Flor do olhar

Vivemos rodeados por um mundo

Onde brilham límpidas lágrimas

As palavras devoram-nos

Como arestas apodrecidas pela chuva

Máscaras imobilizam-se por detrás do azul de cada idade

E tu ficas ...só

Na sofreguidão de seres caminho e sombra.

 

Mordo a noite

Atravesso o som aberto das aves

Há um romance em cada primavera

Há um despertar de sombrias bocas aquáticas

E eu chamo-te cristal

E tinta da minha alma

E desperto em cada grão de areia

Bebo o veneno que os dias me trazem

Afogo-me em travessias de cavalos fosforescentes

Brinco com a noite que sai dos meus olhos

Esqueço-me da tua fotografia

A geada escorre pelo meu peito

Abre-se na flor do meu olhar

Despeço-me do horizonte

Enquanto os pássaros debicam as estrelas

Que deslizam pela frescura do teu corpo.

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Quem se consome nos caminhos

Quem segue por ásperas vidas

Quem transborda de flores e de pétalas

Quem bebe o perfume dos silêncios

Não se sabe quem

Apenas se sabe que é alguém

Que voga na névoa dos perfumes

Como se a realidade se consumisse a si própria

E a calma do campo se abrisse

A uma límpida promessa de chuva

E a um voo de paz

Onde germinasse o irreal de cada um.

Bóias

Na parte supérflua de mim

Todos os gelos se derretem

Flores ausentam-se no desencanto das paisagens

Enquanto o coração constrói sombras inertes

Sonâmbulas.

 

Aqui estamos

Como circunferências floridas...doridas

Coladas às plumas dos deuses

Perdidos nas nuvens

Que afloram ao riso das gaivotas.

 

No alto confundem-se bocas e ventos

Dedos e espuma

Mas o nosso rasto aqui fica

Como um horizonte onde não cabemos

Como algas que se quebram de encontro às memórias

Como vertigens de máscaras libertas de si próprias

Como vazios de universos

Como combates perdidos

Como mortes de espanto

Como bóias que vogam sem destino

Perante a eternidade do ventre das águas.

Todas as estrelas morrem

No consolo do dia procuro o alimento imprevisto

Procuro o tempo de cada objecto

De cada acto...de cada vidro espelhado

Procuro a sabedoria da floração dos tormentos

O toque subtil das razões

Que brilham na tranquilidade das árvores

Procuro o fruto que adormece na breve fala do estio

E vejo no translúcido tempo

O princípio da ausência inflamada das horas

Vejo o vazio dos dedos

A agarrarem o branco das casas

Vejo as asas esguias das paisagens

Onde nunca estarei

E tudo se mistura num caleidoscópio de vozes

Cidades e rios que acicatam a minha mente

Tudo se apaga num imenso aroma

A corpos debruçados sobre sonhos feitos de vento

E todos os barcos partem

Todos os mares cantam

Todas as estrelas morrem.

Ecos

Tu que caminhas no silêncio breve do sonho

Perto de ti corre a brisa perdida de felicidade

Bebes o ar...sugas o horizonte

Fecundas o mundo com o teu sorriso

E regressas sempre à frescura da infância...

 

 

Em ti se acende a nostalgia das violetas

Em ti se desfazem olhares de grutas sagradas

Em ti se escrevem poemas

Entrelaçados em pequenos gestos de pedra.

 

Tu que ergueste navios a pulso

Que domaste a eternidade

Que decifraste o nome da ausência

Ao longo de ti choram as tempestades

Finas tempestades de amor dorido

E de candura.

 

Na tua mão ergues a harmonia do cosmos

Do teu desapego saltam chispas de egrégios segredos

Quebraste a porta que dá para límpida cegueira

Pegaste no fruto das sombras

E abriste os olhos ao instinto

Descobriste no azul...a brisa

E os caminhos que se abriram foram risos secretos.

 

Ao meio-dia estavas na orla das palavras

Soletradas por conchas

A tarde assombrou-te com o eco do sal

Sobre transparência das ondas

E a noite caiu na hora da dança solene..sagrada.

 

Do centro de ti saiu um mundo

Do teu sonho saíram cavalos alados

Da obstinação das montanhas

Desceram vidas extasiadas

Enquanto dos flancos da chuva

Saía o teu clamor de águia ferida.

Pranto

Na urgência de mim sinto o meu corpo rodopiar

Fecho os olhos...entrego-me ao silêncio

E sinto que posso recolher

Todos os passos circulares do tempo.

 

Em frente..mesmo em frente...

Vivem anónimas flores cobertas de piedade.

 

Viver...fingir...ausentar-me

Assim construo a minha transparência

Assim emerjo claro de todos os pensamentos

Assim me torno um mundo solene

Sou o deus oculto que vive na margem de exausta..

 

Lá fora...na sombra extasiada do mar

Na penumbra fictícia das estradas

No destino perdido das monções

Lá fora...perduro

Como um inflexível pássaro que debica os dias

Lá fora

Pendurado num distante quadro de Munch

Está o meu grito

Está a minha ânsia de ruína assombrosa

A minha fome cáustica...nuclear.

 

Sonhei com uma ruína de deus impuro

Descalço de si...que dança na sombra da renúncia

Que conduz as suas feras de espanto

Pelas estradas povoadas de sussurros

E os meus olhos abarcam toda a frescura dos labirintos

Que me espreitam pelas grades do pranto

No perfume imutável do silêncio.

Pele

Começar pelos teus olhos

Extinguir-me em ti

Entreabrir a porta do teu amor

Espreitar a sombra anilada do coração

Abraçar-te..pintar os teus ais com cores de sufoco

Mas aquilo que sabia...já não sei

Porque aquilo que eu pensava que sabia

Era apenas a vidraça da mágoa

A encobrir os meus olhos

Era o sol que brilhava

Na névoa das minhas queixas

Era o debicar do mar aguçado pelo vento

Era um sonho lento e fugaz

Uma despedida de domingo.

 

Deambulo pelos tons cinzentos

Cinjo a minha face à urgência de ser nada

Soltar a alma...descansar o corpo

Partir e voltar dentro de mim

Sentir a sonoridade de uma emoção

Um fogo urgente a crescer pelo vento

Olhar a profundidade de um céu recortado por silêncios

Dizer que a vida desce pelas colinas exaustas

É demais...a vida

São tantas as despedidas

E tantas as searas

Que a minha voz se esqueceu de te chamar.

 

Na pedra onde me sento

Coberta de líquenes doirados

Há uma voz de sangue

A conspirar dentro de um imenso sonho.

 

Desfolho emoções

Bebo o estalido dos meus passos na erva rasteira

E depois vejo a sala...o sofá

A vida sentada na televisão

E o mar a esperar pela geada

A cobrir as margens

Com a alegria sonora das gaivotas

Abro a janela...o relento entra em mim

Entranha-se na côr branca das paredes

Fala-me do cerne das águas

Que correm sem nunca encher os rios

Fala-me do silêncio das ramadas ao sol

Felizes...bruscas e plenas de idade

E há também a aurora

Essa conquista da luz e do segredo

Esse prometimento de um novo dia

Esse palácio por onde escorrem flores vermelhas

E há manhãs de escombros

Súbitos desabares de cidra

Cavalgadas de rubros archotes

E há uns dedos finos

Descansando numa pele de tempo...

Astro

Estou na estrada secreta da manhã

No enigma das conchas

Nos vastos desertos

Na latente voz das penumbras

Na imobilidade dos céus

Na secreta rua dos espelhos

No arquipélago desconhecido

Num país onde a aragem é uma carícia bravia

Num estranho país de feito de máculas ancestrais

Onde estranhos deuses murmuram

Nomes antigos em decomposição

Mas estou aqui desperto

Como um límpido astro

Vertical e puro.

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