Os grilos
Os grilos cantam na noite
um homem olha as estrelas
e sente frio.
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Os grilos cantam na noite
um homem olha as estrelas
e sente frio.
Estratégicas veias tremem de frio
Assustam-se com as palavras...estão exaustas
Chego a casa e ouve-se uma música...cheia
Como uma espiral com arestas
Ou um papel dorido pelas palavras
E o corpo é uma fenda
De onde escorrem plantas desgastadas
O peito é apenas algo que se debruça sobre a fundura da angústia
Uma mancha na noite
Plasticidade de sustos encardidos
Respirares dolorosos...vidros gastos pelas luzes
Os dias incham perante mim...procuram os bosques
Ganharam dedos dentro da boca
Agarram...agarram-me...querem que escreva os seus nomes
E eu latejo dentro da folha em branco
Estrangulo as avenidas
Tamborilo sobre as sombras
Respiro como uma solidão poeirenta
E o silêncio cai verticalmente sobre as ervas esfaceladas
Assusta a sombra das paredes
Perfura as janelas...
Progride vertiginosamente como uma anémona rara...plástica
E as minhas pálpebras sonham manhãs doridas
Intimidades desgastadas
Aquáticas fendas nas noites
Já não me espanto
Espero que o som das plantas de acorde
Que o vento me liberte
Que me reveja no fundo branco de uma parede caiada
Eléctrica...sem idade...
Corro à frente do tempo
Sou a foto ténue da infância
Uma casa que desliza rente ao meu reflexo
Como algo que nunca vejo
Ou um espectáculo a que nunca assisto
Acendo a luz e cresço
Atravesso o meu corpo
Deslizo num mar de ironia...ouço-me rir
A chuva não me incomoda...estou alegre
Aromas acolhem-me numa jarra branca
Onde os insectos matam a sede
Pequenas folhas de trevas..soalhos misteriosos
Desolações de presenças inalcansáveis
Reflexos solares...penumbras angustiantes
Sou inacessível como um olhar desprendido das coisas
Uma porta secreta...um pressentimento
Escolho ser uma maré
Que se acende com o meu reflexo
Um ouvido que me escuta
Uma parede onde se perdem as horas do medo
Estico os braços e toco nas aves em voo
Escolho uma para me acompanhar...uma ave verde
Vertiginosa...não a conheço
Rente à minha memória perpassam as chamas de alguém
Cinzas inacabadas...escuras
A geometria correcta das paredes incendiou-se
Pressentiu o fim da penumbra
Aprendeu a ver o caos
Os móveis estalam com o calor abafado do silêncio
Ecoam em todos os ângulos...
Perco-me de mim ...pergunto pela saída
Tacteio o escuro...
Dentro de mim ardem insectos esfuziantes
Aprendo que a desolação é uma mancha de sangue estrangulado
Uma asa ténue coalhada no silêncio
Um corredor debruçado sobre mim
Que me enche de imagens cansadas
Sinais de fachadas meticulosas
Luzes perfumadas...dolorosas despedidas
Pequenos recantos onde me resguardo
Nada resta das imagens espojadas nos espelhos
Nada fica das luzes assombradas...
Sal...sal na chuva...sal na entrada das casas
Sal nas paredes...sal nas camas insossas
Desenhos a carvão respiram saúde
Encontram as rotas perdidas...mares secretos
Enquanto alguém se afunda numa chuva inocente
Como um quarto de criança ao entardecer!
O voo incerto dos
pirilampos
quebra a espessura da noite.
No céu cinzento
a chuva...
adensa o meu olhar.
A rapariga leva o cão pela trela
a rua está vazia
por detrás de uma vidraça
alguém espreita.
Lembro-me das portas ocultas
Do verniz abandonado sobre as unhas...de paisagens
Pequenas coisas que a minha memória persegue
Produzindo silvos agudos e estreitos
Lembro-me dos teus dedos soltos sobre o vento
Acariciando os meus cabelos voláteis
Respirávamos ar antigo
Penumbra de vómitos na madrugada
Dispersões de haxixe
Num pequeno espaço imitávamos o tempo
Sabíamos que nunca mais lá voltaríamos
Abandonámos os nossos rostos à nostalgia
Ao misterioso silvo que ecoava num vento distante
Esperámos que as areias sossegassem
Que tudo se acalmasse...que a noite viesse
Até que os nossos corpos se desprenderam
E se elevaram como máscaras ao vento
Dentro de mim ressoa ainda aquele marulhar das ondas
Aquela memória encoberta
Aquela cinza que se sente na espera
E de derrama por entre os canteiros de flores
Sabedoria de borboletas
Recomeçar de certezas absolutas
Não há quartos onde dormir
A rua suspira por nós...afastemo-nos
Persigamos os corpos golpeados pelo prazer
As sílaba movem-se
As paisagens respiram através de todos os rostos...
E nós...corpos estreitos na solidão purificada das palavras
Abraçamo-nos!
No topo da montanha um
velho moinho
um homem respira fundo.
Acumulam-se os tempos nos rostos dos oásis
Lambemos os corais incalcináveis
Somos a língua enfurecida
Minúsculo deserto inacessível
O sonho prolongado
Utilizamos chaves falsas...mortes próximas
Cidades nómadas...somos cometas de chuva
Enfurecemos as geadas
Procuramos a cosmicidade dos dias
Gaze nos pulsos cortados
Lentamente mergulhamos num caos límpido
Fulgor de constelações maravilhadas
Esguias silhuetas perseguem-nos
De rua em rua...de chuva em chuva
Na acidez de lodos ignorados
Abrimos quiosques na perfeição das flores
Perfis de sonhos prolongados...escuridão
A lua lambe-nos as mãos desertas
O rosto aproxima-se do zénite
A vida está próxima
Não queremos recordar
Queremos ser um cosmos em ebulição
Uma palmeira numa tempestade de areia
Uma alucinação bebida num chá de mandrágora
Apagar os olhos...preservar os lodos
Plantar constelações de giestas em flor
Lentamente...como um rosto amado
Um passeio íntimo...uma metamorfose de fogo
Feita de um excessivo branco celestial
Ou um corpo com medo dos desejos
Como se fosse uma cerejeira florida
E desfocada a atravessar a noite...
Enquanto nós seguimos pela vereda vestida de saibro
Usando os nossos pés descalços!
Um pescador cose a rede
as carpas saltam
no rio.