Quarto de criança
Corro à frente do tempo
Sou a foto ténue da infância
Uma casa que desliza rente ao meu reflexo
Como algo que nunca vejo
Ou um espectáculo a que nunca assisto
Acendo a luz e cresço
Atravesso o meu corpo
Deslizo num mar de ironia...ouço-me rir
A chuva não me incomoda...estou alegre
Aromas acolhem-me numa jarra branca
Onde os insectos matam a sede
Pequenas folhas de trevas..soalhos misteriosos
Desolações de presenças inalcansáveis
Reflexos solares...penumbras angustiantes
Sou inacessível como um olhar desprendido das coisas
Uma porta secreta...um pressentimento
Escolho ser uma maré
Que se acende com o meu reflexo
Um ouvido que me escuta
Uma parede onde se perdem as horas do medo
Estico os braços e toco nas aves em voo
Escolho uma para me acompanhar...uma ave verde
Vertiginosa...não a conheço
Rente à minha memória perpassam as chamas de alguém
Cinzas inacabadas...escuras
A geometria correcta das paredes incendiou-se
Pressentiu o fim da penumbra
Aprendeu a ver o caos
Os móveis estalam com o calor abafado do silêncio
Ecoam em todos os ângulos...
Perco-me de mim ...pergunto pela saída
Tacteio o escuro...
Dentro de mim ardem insectos esfuziantes
Aprendo que a desolação é uma mancha de sangue estrangulado
Uma asa ténue coalhada no silêncio
Um corredor debruçado sobre mim
Que me enche de imagens cansadas
Sinais de fachadas meticulosas
Luzes perfumadas...dolorosas despedidas
Pequenos recantos onde me resguardo
Nada resta das imagens espojadas nos espelhos
Nada fica das luzes assombradas...
Sal...sal na chuva...sal na entrada das casas
Sal nas paredes...sal nas camas insossas
Desenhos a carvão respiram saúde
Encontram as rotas perdidas...mares secretos
Enquanto alguém se afunda numa chuva inocente
Como um quarto de criança ao entardecer!