Becos
Acordaste do sono com a lisura das correntes
A chuva adormeceu sobre o teu sorriso
Viste a cidade rebentar de mágoas
E os copos partirem-se com ciúmes da madrugada
Viste a pele fustigada por bocas de porcelana
Havia um nojo de mãos
E febres subtis mergulhadas no rio
Na minha nocturna água enroscaste o teu olhar...gritaste
Lançaste um lancinante alarme
Tinhas fome de melancolia
Pensavas num tempo furioso
Ninguém te salva
Ninguém te limpa o sangue
Que coagulou na saída da veia
És uma muralha...um beco escorregadio
Uma parede antiga onde pendem fotos de lama
Não há madrugadas presas nos teus cabelos
Nem lodos escorregando pelos lençóis
Há sorrisos...engates...fome de descobertas
Pássaros que espiam as janelas
Dedos usados crescendo
Ao ritmo vertiginoso das distopias
Becos sem entrada...
Calças elásticas marcando o ritmo
Crescendo no mito do corpo perfeito
Não há corpos perfeitos
Nem olhares rasos
Há uma açucarada língua
Um berço que te embala
Memórias de sorrisos alarmantes
Abertos sobre uma adolescência fatigada
E já esquecida de si
E o tempo passa e cresce
Enrosca-se em mãos...grita
Procura a saída dormente
O homem inocente
Preso ao fundo de si
Encontra uma porta que dá para o lodo
Perfura a pele...tatua raivas
Dos olhos chovem mágoas incendiadas
Gasolina mergulhada em sal...febres brancas
Uma casa atravessa-nos
Uma dor mergulha na sombra
Rios sem fim carregam os nossos destroços
Há sangue e néon...
Claridade obstinada mergulhada em lixo anónimo
Sons obscuros rebentam-nos os tímpanos inflamados
Jorram instrumentos das paredes
Lancinantes ais perfuram a viscosidade dos dias
Inflamáveis sexos perfuram a madrugada
E tudo se passa debaixo de uma ponte
Suspensa sobre um rio ressequido
Fascínio e boca mordendo os cabelos encrespados
Pássaros volteiam...vão e vêm
Não há saída!