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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Natal eterno - Feliz Natal

Natal eterno...

Luzes a brilhar sob um íntimo céu

Os mesmos sonhos, a mesma noite

O mesmo murmúrio na ribeira

O mesmo Natal à lareira.

 

Em cada um de nós há um Natal

Há um Natal de poemas e de encantos

De musgo húmido nas pedras

De vento a soprar ternura

De alma a pedir conforto

De coração a exalar Amor.

 

Há um segredo no Natal

Talvez seja a alma de cada um

A procurar no seu sentimento mais profundo

A luz pura que vem do alto

E o canto do pinheiro

Que adormece ao vento

Seja a alma do que dorme ao relento.

 

Talvez o Natal seja o espanto e a neblina

Ou a saudade pequenina

De uma infância ausente

Talvez o Natal seja o silêncio da noite branca

E o calor que sobe  da lareira

Seja a nostalgia de uma memória inteira

Ou talvez seja apenas um sonho ou um grito

Um sonho vertical e bonito

Um sonho de mastro ao vento

Que nos leva cheios de sentimento

Para a terra prometida

Onde todas as mãos são mãos de gente

Gente com rosto e rosto de gente

E não há uma só alma empedernida.

 

Talvez o natal seja o sonho

De uma criança que floresceu

Para mostrar que o Natal

Que o verdadeiro Natal

É a elevação  do Homem

Ao sentido do mistério

E à pureza de sentir

O que naquela noite aconteceu!

 

 

Feliz Natal para todos

Tempo de ilusão - sétimo poema de Natal

Tempo de ilusão

Tempo de melancolia

Saudade de outro tempo

Saudade da alegria

 

Alegria de criança

Divino espanto

Austero tempo este

Que esquece aquele Santo

 

Vem desde a boca do mar

A tranquila noite de breu

O frio veio para ficar

No corpo que arrefeceu

 

Talvez um dia as águas

Se ergam num tal propósito

E tragam noites mais quentes

Aos que dormem num depósito

 

Depósito de corpo frio

Depósito negro de nadas

Talvez se ergam das sombras

As bocas agora caladas

 

E gritem com toda a força

Que os pobres estão esquecidos

E façam cair de podre

A miséria dos empedernidos.

O nascimento de Cristo - Bocage

Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer a minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.


Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presépio o nascimento.


Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.


Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.

Onde as auroras crescem - sexto poema de Natal

No Natal, o céu é leve e fresco

Os sinos são sinais

Os olhos são meninos

As estrelas são milagres

 

No Natal, o frio é como um beijo

As luzes são as flores

Belém é uma miragem

As palhas são confortos

 

No Natal, os homens são mais claros

Os deuses são paisagens

O tempo tem um nome

Gravado nas imagens.

 

No Natal, as sombras estão suspensas

Os risos são embalos

As manhãs são perfeições

Debruadas pelos sonhos

 

No Natal, renascemos com asas

Somos largos horizontes

E alucinantes luzes

Puras como mares profundos

 

No Natal, somos límpidas manhãs

Crescendo na pureza

De um tempo renovado

E somos o poente onde as auroras crescem.

 

 

UMA ESTRELA - O MAIS BELO CONTO DE NATAL #final

Peço licença ao grande poeta Manuel Alegre para transcrever o seu conto de Natal dedicado à sua avó Margarida:

( continuação)

Uma noite de Natal, em Paris, eu estava sozinho. Comprei uma garrafa de vinho do Porto, mas não fui capaz de bebê-la assim, completamente só, num quarto de criada de um sexto andar numa velha rua do Quartier Latin. Peguei na garrafa e fui até aos Halles. Procurei o bistrô onde costumava comer uma omelete de fiambre. Felizmente estava aberto. Pedi a omelete e abri a garrafa. Havia mais três solitários no bistrô, um velho de grande barbas, um tipo com cara de eslavo, um africano. Convidei-os para partilharem comigo a garrafa de Porto, que não resistiu muito tempo. Encomendámos outras bebidas.

    - Conta uma história de Natal do teu país - pediu o velho.

   - Só se for do presépio da minha avó.

   - Então conta.

   Eu contei. Era já muito tarde e o patrão disse-nos que queria fechar. Chegados à rua, o africano apontou para o céu e disse-me:

   - Olha.

   E eu vi. Uma estrela que brilhava mais que as outras estrelas. Era uma estrela de prata. A estrela da avó. Brilhava no céu, brilhava outra vez dentro de mim, quase posso jurar que brilhava dentro dos outros três.

   Então eu perguntei ao africano como se chamava. e ele respondeu:

   - Baltazar.

   Perguntei ao velho e ele disse:

   - Melchior.

   E sem que sequer eu lhe perguntasse o eslavo disse:

   - O meu nome é Gaspar.

   Era noite de Natal e talvez ainda por magia da avó eu estava na rua, em Les Halles, com os três reis do Oriente, Magos, diria o meu pai.

   - E agora? - perguntei a Baltazar.

   - Agora - respondeu o africano apontando a estrela -, agora vamos para Belém.

Fim

Um enorme obrigado a Manuel Alegre e um feliz Natal.

 

UMA ESTRELA - O MAIS BELO CONTO DE NATAL #parte 3

Peço licença ao grande poeta Manuel Alegre para transcrever o seu conto de Natal dedicado à sua avó Margarida:

( continuação)

À noite, quando regressávamos da missa do galo, a que a avó nunca ia, chegávamos a casa e finalmente estávamos em Belém. A estrela brilhava intensamente sobre a cabana, Maria e José debruçavam-se sobre o berço, onde Jesus, todo rosado, deitado nas palhinhas, agitava os braços e as pernas, envolvido pelo bafo quente dos animais, enquanto os três reis do Oriente, agora sim, chegavam a Belém para depositar aos pés do Menino o oiro, o incenso, a mirra. E vinham os pastores, e vinha o pai, de caçador, a mãe, de vestido de baile, e vínhamos nós, eu, a minha irmã, os primos, não éramos de porcelana nem de barro, estávamos ali em carne e osso, era noite de Natal, uma estrela nos guiava, brilhava sobre a Judeia e sobre o presépio, brilhava cá fora entre as estrelas, brilhava dentro de nós. Naquela noite, naquele momento, nós não estávamos na sala de jantar em frente ao presépio, tínhamos chegado finalmente a Belém para adorar o Menino ao lado de Maria e José e dos três reis do Oriente, Magos, não conseguia deixar de corrigir o meu pai. Mas mágica, verdadeiramente mágica, era a avó. Era ela que fazia o milagre da transfiguração, trazia o Natal para dentro de casa e levava-nos a todos até Belém. O cheiro a musgo e a lenha, os montes, os vales, os rios, os lagos. Caminhos e caminhos que iam para Belém. E a estrela de prata, a estrela que nos guiava. Era uma estrela no céu, dentro de casa, dentro de nós. Pela mão da avó, ela brilhava. Pela sua magia, Belém estava dentro de casa. E a casa ia também até Belém.

Mais tarde, muito mais tarde, eu estava no exílio. Na noite de Natal os revolucionários ficavam tristes e nostálgicos. Talvez recordassem outras avós, outros presépios, outros lugares. Reuniam-se em casa deste ou daquele, improvisava-se uma árvore de Natal, trocavam-se presentes. Mas ninguém, nem mesmo os mais duros, os que faziam gala em dizer que o Natal para eles não significava nada, nem mesmo esses conseguiam disfarçar uma sombra no olhar. Saudade, dir-se-á. Mas talvez fosse mais que saudades e solidão e o pior de todos os exílios, que é o de se sentir estrangeiro no mundo. Talvez fosse a consciência de que, para lá de todas as crenças ou não crenças, Havia um irremediável sentimento de perda. Muitas vezes me perguntei o que seria. Mas não conseguia responder. Sentia o mesmo aperto, o mesmo buraco por dentro, o mesmo sentimento de algo para sempre perdido.

Uma noite de Natal em Paris...

(continua)

UMA ESTRELA - O MAIS BELO CONTO DE NATAL #parte 2

Peço licença ao grande poeta Manuel Alegre para transcrever o seu conto de Natal dedicado à sua avó Margarida:

( continuação)

- E a avó? - perguntava eu

- Eu já estou velha para essas andanças.

De dia para dia mudávamos de lugar. Todas as manhãs deparávamos com novas casas, mais rebanhos, pastores, gente que descia das serras, atravessava os rios e os lagos. Os caminhos ficavam cada vez mais cheios. E todos iam para Belém. À noite tremulavam luzes. Acendiam e apagavam. Mas ainda não se via a cabana, nem Maria, nem José.

      Então uma noite, entre as estrelas do céu, aparecia uma que brilhava mais que todas.

     - Esta é a estrela. - dizia a avó.

      E era uma estrela que nos guiava. Na manhã seguinte lá estavam eles, os três reis do Oriente, Magos, explicava o pai, que também não dizia Pai Natal, dizia São Nicolau, talvez por influência de uma misse de origem russa que em pequeno lhe falava de renas e de trenós e de São Nicolau atravessando as estepes.

Cheirava a musgo na sala de jantar. Cheirava a musgo e a lenha molhada que secava em frente do fogão. E os Magos lá vinham, a pé, de burro, de camelo. Traziam o oiro, o incenso, a mirra. Às vezes nós, os mais pequenos, juntávamo-nos e cantávamos: «Os três reis do Oriente/ já chegaram a Belém.»

   - Não chegaram nada - atalhava a avó -, ainda não.

   Estávamos cada vez mais perto. E também nervosos. Confesso que às vezes fazia batota. Empurrava-os um pouco mais para a frente, para mais perto de Belém e do lugar onde eu sabia que mais tarde ou mais cedo a avó ia pôr a cabana. Mas ela descobria.

   - Não lucras nada com isso, podes apressar toda a gente, não podes apressar o tempo.

   Cada vez havia mais luzes na Judeia, por vezes surgiam novos lagos. Eram mistérios da minha avó. E a estrela lá estava, a grande estrela de prata que brilhava mais que todas as outras, às vezes ia à janela e via a projecção daquela estrela, ficava confuso, já não sabia se era uma estrela da sala ou se era uma estrela do céu, era uma estrela nova, uma estrela de prata, era uma estrela que nos guiava. No céu, na sala, na Judeia, talvez dentro de nós.

    Até que chegava o primeiro dos grandes momentos solenes. A avó chamava-nos ao sótão ( nós dizíamos forro), abria uma velha arca e desempacotava a cabana. Depois, muito comovida, quase com lágrimas nos olhos, as figuras de Maria e José.

   - Não há nada tão antigo nesta casa, já eram dos avós dos meus avós.

   Impressionava-me sobretudo o manto muito azul de Maria e o rosto magro, quase assustado de José. A avó limpava-os com muito cuidado e mandava-nos sair. Nunca nos deixou ver o resto.

( continua)

 

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