Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Olhar preso a ti

Nas quilhas dos navios rumorejam as águas

Por mim alastra uma incessante maresia

E das cidades emergem vozes explosivas

Fingimentos onde o corpo se apaga

Acalmados os olhos...diluída as esperanças

Resta-nos as cartilagens marinhas

E as aves selvagens.

 

Apenas quero prender a ti o meu olhar

Fingir que sou uma noite seca

Ou uma cor acetinada...

 

Nas sombras da poeira

Vejo silêncios incrustados nos gestos

Das árvores desprendem-se

Luminosos desmaios de folhas louras

Gritos de sonos ascendem aos olhares

A luz pernoita no silêncio

Os corpos secos exalam memórias

Caminhos...texturas aromáticas

Línguas estáticas desmaiam na ausência

E um grito sobe na noite

Estou feliz!

Sei que...

Os pássaros esmagam-se contra os espelhos

Decompôem-se em palavras

Voam no coração dos olhares

Que venha a chuva

Aclarar as marés e os lamentos

Enquanto os céus se erguem da terra

Como mãos pálidas...ofegantes

E as almas se roem

Na secura de um corpo solitário.

 

Sei que...

No sono das águas moram versos sólidos

Mas as plantas persistem em ser líquidos corais

Diluídas como lamentos triturados

Por moinhos de fantasia

E vem a chuva cair sobre o ventre da rua

Sombra piedosa que limpa os dias

Só então saberemos que tudo continua vivo

Que todas as coisas são cidades

E que as marés nos fitam com desdém

Límpidas marés de areias incomensuráveis

Altaneiros fogos queimando corações e saliva

Fogos feitos de um tempo passado

Feitos de lembranças e sólidos ais

Feitos com todas as coisas

De que nos separaremos um dia!

Os lírios esperam por nós

Digo-te onde ficam os campos

Digo-te as minhas razões

Os dias são facas de cores garridas

Ferem a luz...

São remotas praias onde vão ancorar os nossos dedos

Castelos estrangulados pela noite

Areia e maresia...

Medusa aflita presa no areal

Teremos sempre uma pequena lua na saudade

Teremos sempre um sorriso puro

Ou um desejo perfumado

Sabes que o tempo muda as cidades

Que extingue o canto do mar

Que expande nos sinos cristalinos

Gravo no teu peito gargantas incendiadas

Puros cantares de humildes algas...vinhos raros

Das minhas cordas vocais

Pendem cantos estrangulados

Febres pisadas...nomes de coisas impuras

Deito-me junto ao misterioso canto dos búzios

Visto-me de diáfanos bordados...sou mar

Encanto-me com o perfume das dunas

Respiro noites assombrosas

Recordo-te nas aves

Espalho estrelas pelos caminhos

Como beijos de águas alegres

Ou como frestas nos dias

Incêndios espalham-se pela noite

Estrelas caem nas ruas

O entardecer é gélido

E no fundo dos ventos

Ecoam beijos de crianças esfomeadas

Rios do Tibete...Ganges esféricos

Iremos ao encontro do verão

Beijaremos o fundo dos vales

Seremos barcos perversos

Mas vamos construir a alegria

Com fomes bordadas em seda

Uivos rápidos de mastros decadentes

E vamos saborear todas as flores primaveris

Os lírios... no campo

Esperam por nós!

Onde as almas se unem

Navego nos murmúrios de um cântico

Náufrago de ventre rasgado...aquática noite

Dormem comigo vestígios de estrelas cadentes

Metais talhados com sabres calcários

Céus enfurecidos abrem-se

Como ostras esburacadas

Escorrem por entre os pulsos

Iluminam a morte dos peixes

Erguem-se como deuses

Pensam como estrondos

Morrem como dedos cobertos de areia

Já não querem desvendar segredos

E caem as árvores apunhaladas...esquecidas

Pedaços de tempo ecoam nas salas vazias

Pés descalços que penetram no interior da cidade

Lembro-me de ti

Esquecida num remoto espelho

Rasgando luas..fogueiras baças

O rio murmura algures...abraço-te

Das pedras saem imaginários segredos

Ouro falso...desastre...inundação de verde

Enfurecidos peixes rondam

Pela humidade do coração

Submersos numa saudade de cristal.

 

Irei contigo...

Serei o teu acompanhante inacessível

O teu caos submerso

A tua lua calcária

E virás... como uma explosão de vento

Como uma ave construída com águas revoltas

Serás areias e coxas

Deslumbrante ponte sobre o meu corpo imaginário

Enfurecida insónia

E virás...

Caminhando sobre o meu desastre

Acompanhando os meus vestígios …

Como uma saudade esculpida numa pedra morta

Ou um náufrago descrente da luz

E mesmo que das árvores mais altas

Se despenhem gargantas...

Que das flores mais temidas se rasguem gestos

Serás sempre a minha luzidia estrela

O meu rosto lunar

O meu resfolegar de manhã enevoada

Onde se rasgam as luzes

E as almas se unem!

Lugar distante

Amarro-me ao interior de um lugar distante

Sigo noite adiante como uma lua simples

Danço como uma cobra

Desenhada num papel de seda

Percorro os ventos distraídos

Lembro-me de noites..de paraísos

De camas em chamas

Cavaleiro de papoulas azuis

Virei até ti como uma chuva seca

Um passo rápido

Um olhar no horizonte

Lençol de linho espesso

Rente ao sol flutuam pássaros enfurecidos

Anjos angustiados

Cardumes de crianças voadoras

E os cabelos enchem-se de uivos dourados

Como gibóias habitadas por espantalhos

Esvoaçam tempos no fundo dos vales

Distantes vales...tenebrosos frios...gelos cadentes

Já não passa por aqui a nossa rota

Lentamente esquecemos a chuva

O coração apagou-se

Resta-nos o sol soluçante

As algibeiras carregadas de corações

Varridos pelos ventos

E o último sopro

Que emerge do fundo do mar!

Doirados sóis

Impossível serenidade que navegas comigo

És como um animal adormecido

Cobres as tuas asas com manhãs amargas

Demoradas flores que escavam rios

Queda e equilíbrio... suspensão alucinante

Em redor de nós os corpos ganham asas

Em ti pernoita a solidão...o suco das flores

A preciosa idade da insónia

És como uma acrópole transparente

Um líquido precioso...um demorado estar

Apenas estar...

 

Luto com os ventos

Agarro-me aos ecos

Mar sôfrego...ruas desertas

Lamento de gaivota serena

Até amanhã:- digo eu...

Despeço-me dos meus vestígios

Amanhã subirei até outra idade

Escavarei o teu ventre

Dinamitarei os teus vermes

Cuspirei sobre as ruas submersas

Abóbada que atravessa a noite...boca amarga

Povos de aço recortam-se na contra-luz

Vigiam a humidade dos olhos...negros olhos

Demoram-se os peixes nas nuvens de vapor

E as bocas escavam pedaços de lua

Comem escritas...bebem estrelas

Constroem tragédias

Até que os prados se levantem

Com a efervescência de doirados sóis

Lutaremos pelas rubras papoilas

Até sermos navegantes sagrados!

Eco de verão

Na noite fria e transparente escrevo asfalto

Buraco...solidão...sangue deserto

Desenho mares..ruas lendárias

Animais que bebem a seiva das esquinas

Enterro a minha faca

Num lamento coberto de raízes

Amargas horas...escuros becos

Luto com enigmáticas ervas

Ecos saem da solidão das flores

Cuspo pérolas...insónias

O cais cobre-se de luzes

Deitam-se nos barcos

Afundam-se em bebedeiras de melancolia

As ostras adormecem num buraco de sal

Medos crescem nas aves

E o teu ventre esquece-se de navegar

Sobrevive apenas na inutilidade das luzes

E há um sabor...um sabor a ais

A flores...a sono pressentido

A idade sem absoluto

E há uma luz de ouro...um eco de verão

Uns dedos inchados de onde sopram marés

Barcos lendários...caravelas líquidas

Sal derramado sobre feridas sonoras

E ímpetos de pão entrelaçado com vida

Que persistem num ocaso

Que usam a trajectória florescente das flores

Para pernoitarem na minha boca salgada!

Bocas crispadas

Caminho como uma palavra quente

Sobre um pedaço de papel

Incêndio assustado...riso

Longínquos lábios perguntam-me pelas lágrimas

Pelo tempo das securas

Invocam serenas tardes...vislumbram ventos

Da memória incendiada

Soltam-se sedimentos de abelhas

Bocas crispadas...ouro

Um dia regressaremos ao riso

Cantaremos a derradeira terra...

E cortaremos a memória dos mortos pela raiz.

 

Com os cabelos zumbindo nos picos dos cardos

Seremos comissuras envoltas em dedos aquecidos

Aves sem fundo nem fundamento

Nada veremos...

Apenas existe a planície vítrea

Cortada pelo voo plano das geadas

E eu....dedos enrolados num coração de seda

Sinto a derradeira maresia escancarada nas ervas

E pergunto à seiva...

Pela idade em que se apagam as letras

Pergunto pelo meu nome

Decido que o meu riso seja esquecido

E o meu cabelo seja gasto

E o meu rosto seja uma lâmina

Comovo-me com o ardente canto do vento

Aflige-me a morte dos escorpiões

Ressuscito-me...alma errante numa terra sem horizonte

Sereno vislumbrar de serpentes

Que pastam na interminável noite

Como cegos lunares enrolados num nome esquecido!

 

Tempo sem fundo

Regresso de um tempo sem fundo

Luminosa lágrima que escorre da luz

Regresso ao tempo do meu corpo

Às feridas azuis

À fala tenra das ervas

Pergunto pela maresia que coalhou na poeira

Que se tornou eterna...esquecida

Pergunto pelo tempo dos cães...pelas crenças

Pela morte que se esquece dos dias

E sei que há caminhos infindáveis

Passos impossíveis...círculos doirados...dores

E sei que as palavras cortam a direito

Que as portas são eternas

Que a infância é um poço.

 

Lavo-me de todas as coisas

Como uma ave que canta

Sobre uma paisagem coalhada

Abasteço-me de veneno

Regresso às dunas feridas

Mergulho na morada dos ventos

Estou em todas as direcções

Guardo os meus passos para melhores dias

Errantes dias onde me abasteço de ti

Ato-me ao tempo

Seguro as horas no corpo

Gasto-me numa alucinação selvagem

Bebo a giesta que coalhou no teu rosto

Flor amarela...doce enjoo...

 

Da minha boca saem colunas de fumo

Templos de deusas desertas

Desertas-te?Desertei!

E sentei-me perante a fúria das mãos

Sulcos de vida...cruzamento de mares suicidas

Hoje vejo passar os caminho

Sinto na pele a paisagem esbaforida...claustrofóbica

Última morada dos ossos

Livro de tempos antigos

Esquecidas luzes que envolvem a noite...

 

Agora atravesso desejos

Ergo-me nu perante os desertos

Cumpri o mapa estelar

Já não volto ao peito frio...inoxidável

Da escura luz que mata na noite

Sai o silêncio cansado

De alastrar pelos dias inúteis!