Um tempo escasso
A mão que te segura os segredos
A árvore cuja raiz é um desabafo
A voz de alguém que partiu deixando o seu eco
Tudo isso a iluminar um tempo escasso.
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A mão que te segura os segredos
A árvore cuja raiz é um desabafo
A voz de alguém que partiu deixando o seu eco
Tudo isso a iluminar um tempo escasso.
No despertar da paisagem
O sol escava um longo trilho
E os olhos encharcados da noite
Despedem-se nesse momento de fausto
Crescem as praias na boca dos barcos
Frágeis cristais desenham silêncios
Ventos espreitam na sombra das águas
E tu...estátua queimada por oblíquos sóis
Falas-me do tempo
Em que os astros teciam húmidos amores
Tu que descansas o rosto na alma dos pássaros
Tu que adormeces na proibição das horas
E te esvais como um relógio sem tempo
Tu que és sol e mar e horizontes
Tu que cresces na aridez do silêncio
E que vais de água em água
De amanhecer em amanhecer
Como se corresses
Perante o olhar atónito do mundo
Dormes sobre a tua infância
Como um romântico explorador de penumbras
Dormes sobre os sorrisos
E as histórias que os invernos contam
Ainda não nasceste...e já dormes..
Há tão poucas coisas a dizer
há tanto fim e tanto céu
que na obscuridade do infinito
se esconde o fim e o princípio de nós
Tenho silêncios que me envolvem
Tenho um cais e um barco e uma flauta
Tenho uma roda de estrelas mortas à nascença
E uma seara de dúvidas azuis
Despontando nos meus olhos de criança.
Troquei a verdade pelo poente
E a morte por uma borboleta verde
Troquei de estrada e fiz uma escultura
Troquei a lonjura da escuridão
Por um fio do teu cabelo.
Tenho na boca um sabor a metal
Tenho um laço negro e um avião de papel
Da minha boca caem tranças
Das minhas dúvidas nascem tempestades
E as estrelas choram com pena do meu silêncio.
Pergunto-me
Se em mim nascesse a vontade
De não ser mais que um pequeno e minúsculo silêncio
Se do meu corpo jorrassem constelações
De velhas lendas sem sentido
E eu acreditasse que a vida é feita
De impassíveis pedras astrais
Então...
Eu viveria como se tivesse um mar dentro dos meus olhos
E talvez até fosse capaz de dizer
Como é que os rios talham esfinges no granito
Que dorme nas faldas das serras
Seria como se dentro de cada rocha
Me esperasse a eternidade
Mas a eternidade que procuro vive numa outra idade
Vive numa outra arquitectura de tempo
Poia agora sei...que essa eternidade
Está nos teus olhos feitos de água doce
Está na tua pele e na tua ausência.
Línguas de fogo
Há dias em que as palavras são línguas de fogo. Há dias em que as palavras são artefactos mudos. E há ainda outros dias em que as palavras são novelos. São náufragos. São cadáveres embuçados com cicatrizes na face. As palavras têm uma crueldade própria. Uma solidão vazia. Um ácido corrosivo. Um cheiro a vinho. Um refinamento potássico. Umas vezes são impulsos da alma. São véus e são pequenos pulgões de tédio. As palavras acendem-se. Deitam fumo como as chaminés. Queixam-se. São gueixas calçando okobos apertados. São tímidas. Alegres. Floridas. São estrepitosas agulhas. Sentem. Sofrem. São sebes e são almas. Personagens de Dante. E vivem...na exaustão das pessoas.
Texto do livro Silêncios de papel publicado em setembro 2022
Não sei de onde vem o mar
Mas todos os dias o espero
Como se eu fosse a praia onde ele vai desaguar
Não sei de onde vem o dia
Mas entre a espuma e o ouro das manhãs
Lá estou eu....desperto...
Como quem acorda dentro de um milagre.
Não sei mesmo de onde venho
Mas a casa branca onde habito
Tem por tecto a fantasia de um selvático céu.
(Poema 66 do livro Na brecha dos dias)
Sorris ... num sonho luminoso e longínquo
Como se fosses um longo encanto que me iluminou as trevas
Onde eu permanecia....como um gigante... que bebia a tua luz
Era um sonho feito de uma noite húmida...derradeira
Nascida de um verão feroz e profundo...como uma censura
Bebi desse cálice de onde despontava timidamente a tua natureza
E... foi um encanto...o ar da noite...uma aventura
Uma volúpia feérica...um corpo de marfim...uma fundura...
Onde me despi...nos exílios profundos da ternura.
(Poema do livro Chão de palavras publicado em 2021)
Não sei que pétalas se escondem por detrás da imensidão do tempo
Mas o frio da distância...esse sublimado estar por detrás das palavras
Esse leme que nos conduz às memórias de serranias e de ventos
Esse sermos nós...feitos da alma da terra...é o que nos aquece
É o que vela pela nossa pulsação
É o que circula por dentro da lonjura caiada das casas onde nascemos
Como um artefacto feito do sangue intacto dos nossos avós...
(Excerto deste livro publicado em 2020)
P.S. - escrevo sob pseudónimo
Quando eu souber que é na minha pele
Que descansa o frio que me envolve
Que os meus pés pisam o fundo das sombras
E os morros do mar
Que o luar vibra com a tristeza dos pássaros
Então...espreitarei o fundo de mim...
Perante o cansaço das flores
Tecerei longos mantos com os débeis fios da aurora
Cobrirei o meu esquecimento das coisas
Com a bruma espessa da infância
Vestirei a minha vigília
Com a chama de um tempo apagado
E por entre o espaço e o cansaço que me resta
Viverei...como um império de sorridentes ventos
Como uma dança
Que volteia na imobilidade das chamas
Queimando os dias...
Queimando as pontes que não posso atravessar
Queimando o mundo e o convés dos instantes
Que se prendem a mim como faróis
E são esboços de linhas rectas...
Ocasos de silêncios rolam pela superfície
Das prisões que me cercam
Que eu atei a mim...como sombras...
Como barcos...como nós que não desato
Como mirantes de vidas passageiras
Que desaguam em rios de águas desconhecidas
Náufrago de silêncios....
Brancura de deuses assentes em estepes desertas
Desfaço-me em grãos de areia
Que rolam pela minha ansiedade
Como sonhos..como crinas...
Como sepulturas de almas envoltas
Em finas asas de cristal
Que assim vou....
De névoa em névoa...de mundo em mundo
Como um mistério colado
Aos claustros loucos das catedrais
Como vibrantes e voláteis desejos de eternidade
Como marcas de passos deixados na planície
Melancolicamente branca
Onde vibro...
No fascínio de ser indeterminadamente...
Um corpo que canta...
Ao infinito...
Dizia Heráclito, o filósofo que deveu a sua fama à linguagem obscura, " que qualquer dia é igual a todos os outros". Outros houve que disseram o mesmo mas de maneira diferente. Disse um que é igual o número de horas, e com razão, pois se um dia é um espaço de tempo de vinte e quatro horas, todos os dias são iguais entre si. e também que a noite tem a mais o que o dia tem a menos. Um sábio não diria melhor. Disse outro que os dias são iguais na sua aparência geral, portanto, nada há num enorme espaço de tempo que se não possa encontrar num único dia - a luz e as trevas; no constante alternar do universo, tudo isso aparece multiplicado, mas não diferente. Organizemos, portanto, cada dia como se fosse o final da batalha, como se fosse o limite, o termo da nossa vida. Pacúvio que usufruía da Síria como se lhe pertencesse por direito, depois de a si mesmo se ter celebrado com libações e sumptuosos banquetes fúnebres fazia-se transportar do festim para o quarto entre palmas dos seus "amiguinhos" que cantavam em coro: - já viveu, já viveu.
Todos os dias fez o seu próprio funeral. Ora o que ele fazia com a consciência pesada, façamo-lo nós com ela tranquila.E ao irmos dormir digamos com satisfação e alegria: - vivi, cumpri o curso que a sorte me deu.
E se no dia seguinte acordarmos, aceitemos com alegria esse novo dia. Pois o mais feliz dos homens é aquele que diz quotidianamente . - vivi!
Créditos - inspirado em Séneca
Digo que viémos de um tempo de luz
Como quem mastiga o seu próprio interior
E a lembrança que trazemos
Não é mais que o canto das cigarras
Digo que as nossas vozes são feitas de penhascos
Que trazemos braços para esgrimir o veneno
E se estamos de pé
É porque somos como as flores silvestres
Digo mais...digo que nascemos com corpo de animal
Como quem se encolhe no útero materno
E se os relógios espreitam o tempo
Nós também nos multiplicamos como searas
Pergunto...o que queremos de nós afinal?
Ocupar o espaço que medeia entre nós e qualquer lugar?
Beber a nossa sede de viajantes cansados?
Ou...talvez...estreitar o nosso corpo
Como trepadeiras mortais...
Digo que se tenho sede posso beber
do meu corpo até
o secar.
No meu silêncio oculto a água dos olhos
Tenho uma face e uma árvore para trepar
Espera por mim até que esteja maduro
Atira-me então a pedra que guardas religiosamente
Deram-me um trono de espuma
Deram-me o sonho e uma vela
Deram-me a memória de um alpendre
Onde me sentava nas horas
Que se colavam ao meu horizonte
E nada mais havia...senão a paz...
Estranho ponto pousado
Entre o espaço e o rio
Sou eu?
Ou é a luz a desafiar-me para a longa viagem das aves
É o silêncio das veredas?
Ou é a estrada a dizer-me....vem!
Mas eu alastro...
Alastro por dentro da chuva
E dos olhos que não me vêem
Alastro por dentro de todas as fugas
E de todos os ventos
É sempre assim...quem fui?
Que espera inunda a minha alma feita de noites?
Se corro por entre a vida e a morte
Que distância fica entre mim e a minha alma?
Há uma cisma na lua
Há uma ausência de mim na chaga dos dias
E há um charco de onde não se foge
Brincamos nos olhos dos outros
E quando a primavera chega...florimos
Como narcisos...como desertos
Como fomes de sermos outros
Ninguém vê nem ouve
Os demónios que nos invadem
Ninguém sente as finas redes
Que nos tolhem as asas
Ninguém percorre a distância
Que nos cobre de negro
Oiço um pássaro
Ou será um poema de Celan que esta ave anuncia?
Por entre a amargura do tempo
Reparto-me em agudas lâminas
Por entre o espaço de um segundo
Vivo a plena eternidade!