Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

Capturados pelos dias

Quando nos demoramos

De frente para um dédalo de sombras

Onde o pólen ferido pelo frio nos fragmenta a solidão

E um voraz apetite

Pela destruição das catedrais soturnas nos invade

Decompomo-nos em seres assimétricos

Que tecem espumas de jade

Em janelas que dão para pátios esconsos

Onde capturamos aves imperfeitas

De uma beleza louca e embriagante

Porque nessas aves reside o bafo dos mortos

Que se agarram à vida...

 

Sabemos que milénios de poemas imperfeitos

Escorrem pelas pétalas das palavras

Com o desvelo descuidado do ninho da rola

Nada mata os deuses

Que vivem distraídos numa concha desconhecida

Nada vicia mais que o ligeiro cantar da água

Sobre uma página em branco

Nada nos embriaga tanto

Como o assombro das camas desmanchadas

Nada nos ofusca mais que o olhar de um felino

Sentado sobre um tempo impassível

Enquanto esquece a inexistência dos homens

Capturados pelos dias...

 

Como máquinas que se esfumam

Em cinzas que não são calcárias

Há homens já não têm ossos...nem esqueleto...nem infinito

São mortalhas inacabadas de um tempo efémero

Sem princípio nem fim...

Que pulsa sempre igual

Como a inexplicável geometria do caos....

 

Mar infinito

Não há mais óleos raros

Adocicando os nossos corpos serpenteantes

Nem letras de ouro

Cobrindo as palavras ronronantes

Tu foste a quimera do anoitecer

Que junto à falésia persegui

Com a bravura dos impossíveis

Como se procurasse dentro de ti

Uma filigrana Oriental

Ou um anjo talhado num límpido céu escarlate

Mas...eu sou do tempo da angústia

Que num exausto esquecimento...

Se fechou numa concha

Onde capturou o mar infinito..

Orvalho matinal

Se caíres eu não estarei lá para te ajudar.

Mas para te dizer : voa mais alto

E se voltares a cair eu não estarei lá para te levantar

Mas para te dizer: voa ainda mais alto

E se caíres de novo

E a tua alma se transformar numa imensa cicatriz

E se perceberes que essa cicatriz é a vida

E que a vida sem cicatrizes nada vale

Então...eu estarei lá para te dar a mão

E levar-te-ei pelos prados verdejantes

E mostrar-te-ei a harmonia

Que vive escondida

Nas gotas do orvalho matinal...

Dias poéticos

Lembro-me dos poéticos dias

Em que a minha alma percorria as estradas da harmonia

Lembro-me das vastas noites de alquimista

Em que transformava o futuro sem horizonte

Num trote fogoso

Que se diluía numa felicidade de horas frescas

Ou numa vertigem transbordante

De um mar onde as ondas se riam

E se desfolhavam em emanações radiantes

Que compartilhávamos exaltados

Em que a perfeição do amor

Era apenas um aroma exalado pelo coração

Que me mostrava a vida

Como uma fantasia cheia de encantos

E as noites se pegavam aos dias

Como se fossem um só sonho realizado

 

Lembro-me dos poéticos dias

Em que trepava pela esperança do sonho

Seguindo a torrente da ilusão

E como uma criança empoleirada numa colina

Me deslumbrava com o vale florido dos dias

Que envolto num nevoeiro denso

Não me deixava avistar a aldeia do desprazer

 

Ah futuro sonhado

Por uma esperança transbordante de ruas vulgares

Ah imperfeição ardente da melancolia

Que nos murcha os sonhos

Deixai-me lançar amarras

Deixai-me velar o sono dos beijos

Deixai-me ser aquele

Que a natureza reconhece como seu filho

Deixai de querer atribuir-me sonhos

Que já não posso realizar

Mas fazei de mim aquele

Que pode colher as lágrimas

Que o teu rosto chorará....

Apenas me comove o silêncio

Ardo num incêndio

Que me embriaga os dias tumultuosos

Ardo naquelas labaredas de côr

Que me saúdam como irmãs

Porque me perdi nos campos solenes

E com ímpetos exaltados

Ergo os olhos aos céus

E vejo campos imensos e escuros

Sem solenidade.

 

Perdi-me num tempo

Em que desconhecia o tempo

Perdi-me nas horas que pensava serem infinitas

Saudei o abismo...enfrentei o breu

Com toda a exaltação da juventude.

 

Agora...

Banhado nas águas que o orvalho não quer

Carrego na lapela a flor épica

Do delírio e da desilusão

Não sou mais o cavaleiro

Que caiu do sol sobre um mar manso

Não sou mais o passante

Que recebe o tributo ansioso de um corpo ao luar

Nem a testemunha comovida

Do teu corpo solene e ansioso

Hoje apenas me entrego ao silêncio

Apenas me comove o silêncio

Apenas me embriaga o silêncio

Apenas reluz em mim o silêncio

Porque a vida me cobriu

Com a manta esfarrapada do esquecimento

E das minha mãos febris

Apenas sai a noite.

 

Como se fosse um tributo ansioso

Ao sol que tarda em brilhar

Como se fosse

Um misterioso pensamento desencantado

Pelas vagas que sopram sobre o que resta de mim

Pelas emoções que crescem sobre a minha pele

E que ao fim do dia apenas se comovem

Com a despedida tremenda de um esplendor

Que se extingue lentamente

Com o canto do rouxinol

Esforço-me por adormecer

Nos braços amados da solidão....

 

Insólito

Insólito o vento arrasta-se nas ruas

E os sons são como censuras ritmadas

E as pessoas

São apenas silêncios indiferentes à natureza tímida

É o desencanto

É a indiferença perante o sinistro jogo

De um teatro censurado

Esquecido Dionísio...

Esquecida a fertilidade da orgia lírica do ditirambo

Um sono acomodado

Honra muitas carapaças falsas

Porque a lisonja aquece os pés

Sob os sinos das igrejas

Que clamam pelos fiéis

Atraindo-os para um Inferno fugidio

Que bebe luz e homens

Que chora sobre corpos transparentes

Que se encantam pela sua timidez de marfim

 

Ganhamos quando perdemos

O mesmo que perdemos quando ganhamos

Porque tudo é indiferença

No tribunal fantástico das trevas secas

Amamos aquele que bebe o fogo

Amamos aquela que se deita

Naturalmente nua sobre a noite verde

Amamos a profundidade imensa

De um buraco aberto sobre um jardim de violetas

 

Ai embriaguês de cidades ferozes e malignas

Ai atmosferas estranhas e veladas

Cheias de um amor incontido

Ai o poder imenso dos suspiros

E das tragédias voluptuosas da poesia

 

Bebamos o ar da noite

Como adoradores de trevas acetinadas

Sejamos muros de pedras...adoradores do verão

Deliremos com as linhas de uma face

Erguida e bela num pedestal sonâmbulo

Que se perdeu nas noites do ópio

E no delírio furioso do amor

Mas nunca a nossa alma

Seja uma servidora amarfanhada e cobarde

Escondida num buraco onde as trevas

Se escondem em prelúdios imensos

De almas sem gente dentro.

Claridade

O céu está cheio de vozes

E de bocas encostadas

Ao interior das idades sem sombra

Das nuvens caem pingos de aguarelas coloridas

Que acompanham a paisagem

Dos pés descalços sobre a terra negra

Pés que pisam a eternidade sombria

De uma alegria desprezada por um coração cego

Porque foi testemunha de um encantamento irresistível

Que se fez passar por uma sílaba fechada

E se transformou num glaciar de luz delirante

Com uma sonoridade e uma doce harmonia

Que até os bosques cristalinos

Oscilaram sobre sua crueldade

E dá pena que os choros os contemplem

E que de noite

As nossas sombras emerjam nos pálidos lagos

Como verdadeiros corpos perfumados

Por um incenso desconhecido

Capturado numa floresta de sonhos

Quando o amor embelezava a tarde

Que morria serena...numa claridade morna.

O vidente

Diz-me que a essência do que somos

Está no que nos arrasta

Diz-me porque sobrevivemos

Sobre sombras de penas irresistíveis

Diz-me porque choramos os mortos

Se já são nada

E porque choramos então o nada?

 

A vida diz-nos que as alegrias

Passam sobre as nossa feições

Como encantos cujas paisagens

Oscilam sobre verdades sem forma

E se somos cegos...e se somos perdão

E se nos arrastamos até à sepultura

É porque em cada homem há um morto

Que se faz passar por sobrevivente

Como se fosse um vidente do Além...

Um amor imaculado

Bebo a tua sina pela minha própria mão

Porque provei a cicuta que nos devora

Viverei em ti... como uma recordação

Ou como uma estampa cobrindo a tua alma

Ou ainda como uma tatuagem perene

A que não podes renunciar

Arderás nas chamas gastas...impiedosas

Ouvirás músicas impalpáveis...hinos... baladas

Sombras de notas gravadas na distância

E sentirás o sabor da ausência

Como uma fadiga...

Ou como uma noite fechada

Os teus olhos breves ficarão embaciados

Como sombras aladas...desgastadas

Até que derrames todas as tuas penas

Sobre um lençol inebriado

 

Cruzarás a luz como uma borboleta

Atraída pelo alfinete que a crucificará

Atravessarás o tempo

Como uma fantasia derramada sobre um frémito

O teu corpo não terá sombra...nem corpo

Nem chama ateada

A tua cama gemerá sons profundos...em crescendo

Como uma seara perfumada

Nada te lavará...nem a fadiga

Nem a brisa derramada sobre os campos

Nem a geada que se deita

Sobre as noites inebriantes

Agitar-te-ás inflamada

Pelas carícias impalpáveis da ternura sonhada

E abrirás para a noite da minha felicidade

A tua rosa perfumada

E como num frémito de prazer profundo

O teu coração em fogo

Fogosamente se deitará

Sobre as chamas de um paraíso emprestado

Onde eu estarei como um atento expectador

Dessa breve alegria...desse breve assombro

Desse grande brado

Que sairá de ti...

Como de uma Vénus em êxtase

Que sente na alma um amor imaculado.

 

Pág. 1/3