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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Horizonte

Que fizemos ao nosso olhar?

Que tempo se acumulou em camadas invisíveis?

Que fizemos aos nossos dias?

Que dias rejeitámos como uma erosão opaca de insensatos?

Onde estão as emoções...as memórias

E a existência imperfeita dos sentidos?

Onde está a forma nua da esperança cega?

Onde escondemos a vida que é maior que nós?

Belisca-me...apanha as minhas migalhas

Contempla a nossa existência

Como se fosse uma coisa inútil

Ou como uma pele de cobra

Que é preciso mudar

Porque é preciso crescer...

Cegos...somos cegos

Quando queremos dizer palavras maiores que nós

Porque antes das palavras

Estão as incertezas e as imperfeições

E porque as palavras nunca estão acabadas

São por natureza... incompletas

E todos os dedos são precisos

E todos os trabalhos são instantes

E todos os prantos são feitos de lágrimas injustificadas

Espreitamos com o olhar escondido nas sombras

Como se fôssemos inúteis

Ou como se fôssemos ínfimos instintos

Concebidos em mágoas puras

Fecho os olhos e...

Eis que aí está o teu rosto

Concluído mas...inacabado...

Porque na minha contemplação cega

Perdi o horizonte que agora procuro

Mas que os meus olhos recusam ver...

 

Fronteira

Eis o teu dentro e o teu fora

Como se fosse uma fronteira sem acaso

Como se fosse um horizonte de água

Numa tarde de maio

Ou o mundo inteiro dentro da liquidez da eternidade...

 

Onde está a tua respiração preciosa

Que contém todo o pólen das flores?

Onde está a vaga iluminada

Que rasga as trevas de um ar líquido?

Onde está aquele existir de ti

Que atravessa o fim de tudo

E caminha sem recusar a vida?

 

Serias tu capaz de encher o firmamento

Com roseiras floridas?

Serias tu capaz de permitir

Que uma misteriosa seara de trigo te tocasse no rosto

E te levasse pela mão

Até acender em ti a sombra que te cobre a pele?

Serias tu capaz de carregar o fogo de Hélios

Como uma esperança

Que te ilumina o rugido das trevas?

Suspende a respiração...atravessa a eternidade

Acende a luz que te levará ao silêncio

Mas...existirás sempre

Como uma passagem entre a beleza da vida

E o fogo que rasga a fronteira que te separa...

Da vida!

O fim dos tempos

O futuro furará os dias até ao fim dos tempos

E as estrelas serão apenas

Olhares lacrimosos e pesados

Oscilando numa espécie de loucura

Que dispensa os sons.

 

Todas as brisas se erguerão numa voz

Embutida numa amálgama de poeira

Que se misturará com o canto das aves

E com os guinchos aflitos das folhas verdes

Porque deixaremos de ter nome para as coisas

Porque a nossa face descorada

Entoando coros junto de anjos vermelhos

Descobrirá suspiros no fundo dos lagos

E o enorme céu ficará cheio de penosas dúvidas.

 

Transparentes serão os corpos

E as impaciências

Inconstantes serão as claridades

E das penumbras que envolverão o nosso corpo

Sairá o dia como se fosse um fino cabelo

Preso numa imensa súplica.

 

Nenhum astro celeste abandonará as suas raízes

Encolhidas sob um manto de segredos

Nenhum som perturbará os rostos fundidos

Em choros arrancados às horas

Tudo terá o seu sentido

Porque tudo perderá o seu sentido

Então...rasgaremos os instantes

Como se fossem asas transparentes

Que usaremos como grandes copas de árvores

A enfeitar os campos onde os pardais debicam milagres

Que leremos como se fossem páginas em branco

Ou ilógicos ventos cansados de contar dias

Dias que se misturam em nós

Como se nos fundíssemos

Numa seiva pontilhada de estrelas

Que guardaremos em nós

Com a respiração quase suspensa...

 

Pele

Gastamos a vida num tempo sem idade

Acusando os dias que nos pesam na alma

Como se fossem acasos silenciosos

Que nos desgastam o corpo...

 

Somos como ínfimas migalhas

Que a natureza apanha do chão

Somos a forma...a esperança imperfeita

Plantada numa beliscadela do tempo

Somos gestos, ideias, sentidos, emoções

E acima de tudo...pele

Que é onde sentimos os arrepios da vida...

 

Não penses que a tua dor é a maior do mundo

Nem que tudo começa e acaba em ti

A tua alma é apenas uma borboleta

Que aceitará o pólen

De todas as flores em que poisares....

 

Em torno de uma luz eterna

Passeamos pela aguda mordedura dos dias

Disfarçados de almas quentes

Exibindo um brilho acetinado

Somos carrascos de nós

Vestindo um apertado fato de bom corte

Desafiamos a nossa razão

Perante a navalha afiada numa laje fria

Como se enfrentá-la fosse uma libertação

Ou um grito voraz do nosso interior

Desesperamos com a sua mordedura impiedosa e...

Vagamente flutuamos nos seus lábios roxos

Somos como vómitos de uma prisão arrepiada

Por uma teia de gelo

Que pende do nosso corpo

Somos farrapos de um mendigo sem nome

O coração abala-nos o peito frouxo....e nós...

Enrolamos os olhos em convulsões de pedra

Para que não vejamos as sensações

Nem os passos obcecados pela luz

Enroscamos o nosso espírito insano numa fenda profunda

Que cavámos como se fosse um berço de amor

Ou uma conjectura sulfúrica

Onde os arrepios da alma nos agudizam os sonhos

Perdemo-nos em imagens fantásticas

Em leitos estremecidos...em lúgubres prisões

Perdemo-nos em corpos plenos

E surpreendentes como demónios

Perdemo-nos imaginando que as nossas narinas

Sustentam gritos perfumados

E o resultado de tudo isto

É um ferrete que nos marca sinistramente os passos

Passos consagrados a uma tempestade de fogo

Que não nos alimenta...

Mas que nos gela as paredes incoerentes dos dias

E que sobe pelas paredes do nosso poço

Onde um secreto trovão explode

Sobre uma sólida pintura de sangue escorrente..

Que o nosso peito marcado por um ferro em brasa

Teima em exibir...

Como se fosse um bálsamo condensado

Em torno de uma luz eterna...

 

Aquilo que não é

Ah Se eu pudesse colar aos meus lábios

Os pensamentos que oscilam

Como pêndulos sem forma

E que sibilam na minha alma

Como ventos soprando através de muralhas

Talvez a dimensão da minha vida

Não fosse como um colete apertado

Pelas horas impacientes

Ou como uma lâmina de ferro

Que me esfola os minutos

E que...girando através de uma curva elíptica.

Me corta todos os balanços do coração...

 

Ah se eu pudesse quebrar nos meus lábios

Todas as palavras que me estremecem os dias

Como se fossem condenadas

A um degredo silencioso

Que cresce na manhã ardente

Talvez as minhas mãos

Tivessem a força de um aço leve

Ou a força de um grito

Vindo de uma fraca esperança...

Que chora convulsivamente sobre as fendas da rua

E que se condensa...

Numa possibilidade estreita

De abrir uma rosa de luz num bosque selvagem

Ou de erguer a minha alma branca

Sobre o meu peito encharcado de fontes harmoniosas

Onde tudo o que não é se transforma em dias

E onde tudo o que são dias

Se transforma naquilo que não é....

O número perfeito do amor

Guardo na memória

O teu rosto iluminado pelas horas

Que me enchem a superfície dos dias

Fixo em mim a fronteira

Que rasgará o teu rochedo em febris convulsões

Porque vago é o firmamento

Que ruge lento sobre a sombra da tua carne branca

Vaga é a névoa sublime

Que vence a Luz...que rasga o sol

Que me mostra o perfil de um espectro

Que me aparece pálido de sombras...

E cuja face não tem figura

Mas que me mostra o meu rosto sem fronteiras

Inacabado perante o espelho trabalhado

Pela febre biselada da existência.

 

Que nomes se criam

Para as obras cuja luz incendeia a eternidade?

Que febris corpos se acendem

Na misteriosa soma das horas?

Que verdades nos atravessam os lábios

Que cismam com versos silenciosos

Que somas nos faltam

Para alcançar o número perfeito do amor?

Nos dias de sombras

Nos dias em que filamentos de sombras

Nos escurecem as emoções

Nos dias em que nos despimos da nossa existência

Contemplando a cegueira das coisas ínfimas

Como se fôssemos um mistério inacabado

Ou apenas propostas nuas de esperanças maiores que nós

Quando tentamos dizer que as sombras são inúteis

E os dias são migalhas imperfeitas de recomeços incompletos

Ou inúteis emanações

Que o nosso instinto teima em aceitar

Quando achamos que merecemos

Uma lágrima que escorra de outro rosto...

Desse outro rosto que não vemos

Como se fosse uma razão desconhecida

Ou uma generosidade carregada de calvários

Ou uma quantidade límpida e pura

Condensada nos olhos ternamente fechados

Que num êxtase avassalador atravessa o firmamento

E que jura perante o sol

Que nunca...mas nunca

Se apagará perante o Inverno

E permanecerá como o momento em que a mágoa

Se transforma numa música alada

Que se espalha pelo Universo

Anunciando o profundo recomeço de todas as coisas

Infinitamente perfeitas

Como um amor esvaído de razões

Que não precisa de razões...para amar

Como se fosse uma simples memória do principio do mundo

Ou fosse o principio de todas as coisas

Porque nada na natureza é mais perfeito que tu

Mulher...

Apaga-se o longo dia

Apaga-se o longo dia

Caindo na noite como um agitado campo seco

Os sons profundos do coração

Esmorecem lentamente

Marcados por uma ternura feita de agulhas

Dissimuladas em brados longínquos

Aspiro a calma noturna

E desvio a cara para não ver a nostalgia

Que docemente me envolve

Para me levar até ao teu perfume fresco

Que abafado num prado sem atmosfera.

Se inquieta pela tua ausência...

Sempre a tecer dias

Olha para bem fundo de mim

Sou o Deus de um Absoluto inacabado

Sou a desobediência afundada num assombro

Sempre em trânsito

Pela loucura de tudo o que é efémero

Sempre a tecer dias

Que depois enterro em pequenos fragmentos

Assombros...lábios...solidões

Tudo se desmorona sobre mim

E tudo se quebra em mim

Tudo é um pequeno riacho correndo para o infinito

Tudo se esfuma num tempo despiedado...

 

Já não conto estrelas....

Nem acredito nas fábulas

Que usava como anéis encantados

E que já não enfeitam os meus dedos frios

Sou uma ave que canta com os olhos

Perdi a voz...numa inexistência rara

Sou uma lei imposta pelo destino

Embrulhado numa febre...serpenteante

Não procuro mais saber

Como o tempo lambe as mãos

Não procuro mais saber

Como se esquece tudo o que se esfuma

Já não me imito

Já não me curo com desprendimentos

Arqueio agora as minhas costas

Sob o peso de um retrato desbotado

Minguei...

Sou tal qual as nuvens negras

Que escondem partes de um céu incompleto

E...para desespero da urze e da giesta

Não quero conhecer a viagem que chega

Enfeitada com grinaldas

Sonhada por um momento arrebatado...

Fui proclamado proscrito

Porque abusei do desconhecido...

E agora...a minha alma áspera e absurda

Desassossega o dia

Equilibrando-se numa minguada linha

Que um tédio imenso santifica...