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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Um nome...

És a aragem que sopra das palavras escondidas

Tu não estás...

Apenas a tua imagem persegue a minha imprecisão

Podes esconder a tua farsa

Os teus esforços são o que nunca saberás

Estarei sempre na tua cabeça

Porque provaste o aroma que te abriu as asas

Nunca me saberás descrever

Serei sempre o teu hífen

Ou o cepo onde porás a cabeça translúcida e alucinada

Serei o teu rasto de luz diluído

Porque nunca saberás quem eu sou

Sou um nome...

Que apenas habita um corpo

Mas de ti...

Eu conheço perfeitamente o teu covil

A toca onde espreitas os incautos

Prescindo agora de todas as palavras

Chegou o tempo do silêncio..

Em todas as vidas há véus

Em todas as vidas há pombas

Que olham imóveis as águas claras

Em todas as vidas há olhos brilhantes

Febris...esmagadoramente insustentáveis

Sobre todas as vidas chove luz e rochas

Como se fossem estilhaços de um rumo perdido

Ou um penoso ofegar da areia opaca

Onde silenciosos lilases despertam

Num êxtase triunfante e abafado

Em todas as vidas há véus

Duplos silêncios intransponíveis

Fechados sob um céu fresco

Todas as vidas desejam encontrar a espada

A chave que abra o espesso mistério

Que lhes abra a fresca nascente

Onde a chuva bebe o seu murmúrio

Podemos calar-nos perante o ar imóvel

Podemos respirar a embriaguês das ondas

Podemos viajar pela atmosfera azul

Inflamada por vagas esperanças

Podemos dançar como triunfadores

Ou como luzes desgraçadas

Podemos retesar o corpo

Torná-lo um mundo fechado num minuto

Mas do chão erguer-se-á sempre o fumegante dia

Erguer-se-á sempre a extenuante âncora

Que nos prende à vida

Como se alguém imprimisse fortes pancadas na nossa porta

Ou na nossa alma...

Recordação

Uma recordação venenosa

Veio desaguar ao meu coração

Deixei-a tombar como um corpo vazio

Pronto a encher-se de um dia claro

Percebi nela

Um desequilíbrio nascido de um delírio crispado

O dia era uma onda a inundar-me

A inchar-me todo por dentro

Como um banho de mar nos lava por fora

Vesti essa recordação

Como se fosse um fato delicado

De homem livre

E parti...

Distâncias

Nos dias em que o dia se torna na nossa cela

E os minutos são pombas a voar sobre gestos bruscos

Nos dias em que as árvores morrem

Sobre as pedras febris..queimadas

Por um penoso sol que se derrama

Como insustentáveis flores brancas

Nesses dias sabemos que somos sempre o mesmo

Sabemos que não temos idade

E que temos todas as idades

 

Como uma pedra sem brilho

Ou um calor de rachar

Somos esse calor que vem do princípio de tudo

E que se derrama sobre nós de costa a costa

De brisa a brisa...

Como um pátio que se iluminasse

E do escuro nascêssemos

No planalto onde residem os nossos desejos

 

Febris e inconstantes

Como uma pele transparente e sonolenta

Ou imóveis como um mar parado sobre um chão desumano

Porque das nascentes de águas gritantes

Sai poeira que cobre o nosso corpo ansioso

Então..mergulhamos a pique

Nesse brilho triunfador...nesse silêncio imóvel

Nessa respiração abafada

Porque simplesmente já não sabemos respirar

Já somos o cabo sem esperança..boa ou má

Já somos como uma flauta sem orifícios

Com o som sufocado pela areia ofegante

Que nos cobre os olhos

Como se fôssemos simples danças azuis

Ou como se fôssemos uma geada de fogo

Atiçada pela crista das ondas

Que nos submergem em dóceis delírios

Em canduras de criança

Em abafados e esquivos amores

A que chamamos distâncias...

A obscuridade do tempo

Somos conduzidos por pássaros de fogo

Através das noites inocentes

Seguimos curvas oprimidas

Que desaguam em cegos verões rolantes

Somos como lamentos fundos

Cansaços pronunciados...camisas engomadas

Escutamos nos ruídos familiares

A obscuridade do tempo a corroer-nos

E seguimos o nosso coração

Que nos traça um itinerário de assassino

Como se apregoasse um cansaço ambulante

Ou como um homicida que fala sozinho

Cristalizado...

Confundido pelos patéticos tempos

Que ecoam sob uma luz crua...sombria

Destoada de ar...

Atravessada por imagens amarelecidas

E por viagens em tempos delicados

Conservadas num recanto como carícias abandonadas

Que sobem todos os andares da alma

Até se despenharem nas ruas

Crispadas.. mas livres!

Coluna de sábado - A banana

banana.webpOlá! Sou banana colada numa parede.Estou à venda, não sei se eu própria ou a ideia. A Sotheby’s diz que me vende a quem provar ter pelo menos um milhão de dólares para me comprar. Já fui comida noutros tempos, (duas vezes) não eu, mas duas outras irmãs, uma delas, tinha sido comprada por 120 mil dólares. Dizem também que o tipo que me colou na parede revolucionou o valor da arte contemporânea e provocou o debate entre os críticos da mesma. Na verdade fico pasmada com a notoriedade que alcancei. Até tenho certificado de autenticidade. Já andei por Londres, Paris, Milão, Dubai, Tóquio e Los Angeles e agora espero que me comprem antes que apodreça. Chamam-me "Comedian" e apareci pela primeira vez em 2019, e tive um grande impacto “na consciência cultural contemporânea”. É normal, as pessoas gostam de bananas, usam-nas até para vários fins sem ser a alimentação. Mas o que me preocupa é como é que vão levar a parede onde me colaram. Sim, eu não posso ser afixada em qualquer parede.  E também fico preocupada se me deixam sozinha e algum vândalo me vem grafitar. Espero que o  Maurizio( que foi o gajo que me colou à parede) não tenha outra ideia, e invente algo verdadeiramente real que leve as pessoas a debater a saúde mental dos críticos de arte. Seria certamente um debate interessante, em vez de se debater a pobreza e a  fome no mundo, o aquecimento global, a distribuição de riqueza, (coisas insignificantes), que se debata a teoria da banana, que um genial artista afixou na parede. Ou a sanidade mental de (não sei quem) críticos? artistas?cultura do vazio? contemporâneos.

P.S. - Informo que afinal fui arrematada por 6 milhões de dólares. Quem me comprou foi um magnata chinês que nunca tinha comido bananas coladas na parede com fita-cola.

 

Habitamos corações fechados

Habitamos corações fechados

Em covis onde falta alguma coisa

Limpamos o pó da alma

Com um espanador cheio de medos

Vemos olhares que rasgam o ar

Enquanto expulsamos os dias que não importam

E fechamo-nos em sombras e risos esperançados

Como um ritual inevitável

Dançamos... em corpos rasgados pelo frio

Uma dança plena de imensidão

Escondemos segredos...cantamos assombros

E devolvemos à alma o troco de um pagamento

Feito com sentimentos coalhados

Preenchemos a nossa sombra com trovões e poesia

Com portas fechadas e doces corpos acariciados

E contamos às pessoas que dançam à nossa volta

Histórias que caem no chão negro e poeirento

 

Porque reclamamos a eternidade

Como se ela fosse uma pedra indestrutível?

Arrastamos os pés pela tapeçaria

Que é o nosso nascimento

E pela penumbra do céu que é a nossa felicidade

Nada nos diviniza...nem o céu nem a terra

Nem os assobios do vento

Somos uma contaminação exagerada de nós

Um espaço preenchido por bocas e sementes

Que lançamos ao chão

Até que um dia o vasto despertar nos visite

E nos diga que somos feitos de lama

Que somos feitos de terra e ar

Frágeis cascas de ovo

Que se erguem fortes e resistentes

Perante o enorme espaço que flutua entre nós

E os sorrisos delicados das flores...

 

Um enorme cruzamento de afectos

Naquele abrupto e profundo olhar

Residia uma solidão cansada

Os seus olhos eram uma distância

Como se fossem uma chama apagada...cruel

Ou um isolamento amontoado

Sobre uma ruína fechada... interdita

Delimitada por uma silenciosa dor

Como se fosse uma coisa grande

Ou algo incompreensível

Como uma vontade desprotegida

Desse lago coberto de nenúfares

Saíam choros que entravam pela manhã adentro

Como se fossem clamar ao mundo

Um isolamento...ou uma ascese

Ou como se fossem rasgar esse mundo distante

Com um longo e profundo suspiro cheio de dignidade

Ou como se tivesse que obedecer

Aos degraus espalhados pelos dias

Subi-los palmo a palmo...descalço

Como uma indigna voz calada

Insípidos mundos...clarividentes deveres

Crianças desarticuladas...

Que estranhas coisas somos

Que nos enredamos em deveres desmesurados

Grandes demais para as horas

Que são maiores que nós

Grandes demais para os ventos

Que sopram das profundezas verdes da terra

Grandes demais para o sangue do tempo

Que nos prende como um lastro..

Ou como um rumor de vela que nos acolhe

Numa condição de náufragos

Libertos de mares tempestuosos

E que depois de salvos...e secos

Nos abraçamos aos murmúrios

Que latejam nos largos espaços

Onde desemboca o centro da noite cheia de estrelas

Que se espraiam em nós...como uma altura

Ou como um enorme cruzamento de afectos...

Paisagem luminosa

Sei onde te escondes

Conheço a colina de onde espreitas o vale

Tens frio...porque vives na sombra

E te escondes no escuro

Deixa que as nuvens passem

E larguem a sua chuva

Deixa que o ar fique lavado

Pelo aroma melancólico das ervas molhadas

Escuta os insectos noturnos

Não abanes a paisagem com excessiva energia

Deita o teu corpo de barriga para o ar

Absorve o céu...

Deixa a terra ter a certeza que gostas dela

Como se fosse uma coisa rara

Ou um sol que aquece

Os estalidos dos ramos partidos pela idade

Deixa o teu olhar roçar

Pela linha verdejante dos campos

Como se eles fossem qualquer coisa distinta

Cheios de uma melancolia encantada

Então...esquecerás as jarras quebradas

Esquecerás os jazigos vermelhos

Onde dormem os presságios

Tudo para ti principiará de novo

Como se Hera te enviasse no pavão

O teu novo destino

O teu encantamento

A tua nova paisagem luminosa...

 

Já só nos falta viver

É pesada a carga

Que faz latejar o precioso momento da vertigem

Porque é na escuridão seca

Que se contorce o pânico da espera

E é no instante impossível

Em que as vozes ecoam como gargantas latejantes

Que ignoramos todas as coisas

Que se agitam à nossa volta

Como se o mundo já não estivesse na nossa cabeça

Como se tudo se esvaí-se numa inconsciência

Num mundo interior...numa manhã

Numa manhã onde as cores brincam

O sangue aquece... e as veias rebentam

E onde só há uma nitidez

Que se precipita sobre imagens distorcidas

Porque nos atiramos como alucinados

Para dentro de impossíveis rostos

Onde a nossa realidade é abanada

Gira sobre si própria...contorce-se

Lateja em infindáveis dias caprichosos

De olhares vítreos...informes...

Até que lentamente...as respostas surgem

Como se a lareira mais insuportável...mais inconstante

Se iluminasse numa mágica simbiose com a realidade

Com essa realidade espelhada num mar agitado

Em que cantos efémeros

Nos enchem a noite aveludada

E a vida se transforma numa tela impossível de ignorar

E lá bem dentro de nós

Sabemos...

Que já só nos falta viver...

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