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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Espelho em chamas

Inevitavelmente desço dos lugares mais altos

Que as cidades trazem nas costas

E venho observar as vozes

Que ecoam nos peitos gelados

Venho percorrer todos os bancos de jardim

E todos os rostos sem pão

Venho ver a floração das ruas e talvez...

Pise para a lama negra que cobre os passeios

 

Procuro com os meus passos oscilantes

O vago tesouro de luz que desce dos candeeiros

Que acendem e apagam a minha sombra

Ao ritmo dos meus passos

Não sei porque não hei-de ir para qualquer lado

Não tenho ruas nos braços

Nem espelhos nas mãos

Sou uma catadupa de visões sem cama nem chão

Sou um vago e sinistro dia

Esperando junto ao mar o mês de março

Sou como o sável que vem desovar no rio

No recanto mais escondido do seu braço...

Sou como uma luz circular que sobe esse rio

Amarrada ao barco varino

 

Sei que em todos os lugares as manhãs

São passos trôpegos dos dias

E que pessoas sem rosto

Vagueiam pelas florestas pejadas de relâmpagos

 

Nunca me tinha visto num espelho em chamas

Nem nunca me tinha perdido num leito cadavérico

Mas...onde quer que passe....

Abraço a boa sorte

Grito-lhe palavras que se elevam como fumo

Saindo de uma multidão faiscante

E digo-lhe que percorra todos os lugares

E todas as pedras que calçam... os descalços

E lhes entregue o festim que a minha alma lhes preparou

E lhes cante a minha vida

Numa toada em possam mergulhar os seus pés

E os eleve para uma deliciosa noite

Sem pragas e sem carrascos

Porque eu agora vou escutar o teu sono

E levitar sobre o teu transcendente olhar...

 

Quem sabe para que servirei

Esfrego os dias

Como se fossem um chão preguiçoso...inchado

Não navego em sabedoria nem invento mundos

Sei que só há um mundo...

Gozo as subtis manhãs no passadiço rente ao rio

Onde passeio a minha ignorância das coisas

Divagando como uma febre alta.

Não aspiro ao eterno

Nem me acuso de não prestar provas de sinceridade

Nasci como uma bruma

Como uma bebedeira tola

Ou como uma folha de tabaco

Que se fuma diariamente..sofregamente

Talvez um dia renasça noutra divagação

Talvez a minha cinza

Sirva os superiores interesses das ciências astrais

Talvez a minha cinza sirva para ser pintada

Como uma natureza morta

Talvez sirva para estupidificar as cores das tintas

Quem sabe o caruncho me habite como uma falsa filosofia

E eu me impaciente um dia e coma o Ocidente

Como se fosse um Cristo renascido num vasto campo de trigo

Ou como um vencido que ultrapassou a meta

Ou como um bastardo

Sem provas de filiação à raça Humana

Parece-me que isto é

Uma verosímil sentença de um tempo sem rugas

Parece-me que isto é

A mira de onde posso apontar como alvo o espírito dos vencidos...

E depois..que importância têm os paraísos?

Que prantos imemoriais caem dos olhos dos anjos?

Que provas tenho que acumular

Para ter uma visão dilacerante?

Não! Eu não cedo...

Sou livre de habitar o meu suplício

Mas tenho um desejo

Apenas quero que a minha alma durma

Rodeada de anjos que tocam trombetas de ouro

Cujo som me traga a subtil Visão

De um verdadeiro estado de Pureza...

Ou de um sonho sem mundos inquietos e imemoriais

Mas que contenham em si

Todos os dilacerantes minutos da nostalgia....

O tempo não pode esperar

Tem piedade de mim veneno

Que me matas de nobres ideais

Deixa-me arder neste sufoco

De hinos saídos da boca aberta das visões

Deixa-me sonhar com crimes

Imaginar infernos...baptizar danados

Deixa-me morrer de sede

Cumprimentar bispos...engolir infortúnios

Deixa-me arder coberto por um inocente pecado

Embebedado em delícias condenadas

Que te posso pedir mais?

Talvez ...ignóbeis dias...bichanares de gatos e ratas

Infernos...infernos...

Tragam-me já todos os deliciosos infernos

Quero lançar no fogo todas as ambições

E todos os escravos

Mutilar todos os retiros espirituais

O tempo não pode esperar

E o Inverno é para engolir

 

Agora que tenho a infância coberta de erva

E os cabelos cobertos de neve

Exijo um conluio

Quero um coitadinho para mimar

E um perfume falso para ordenhar

Quero esfarelar o Bem...explicar o Mal

Beber na pia baptismal

A salvação colérica

Quero a perfeição da vergonha

E a estupidez de uma estúpida verdade

Quero calar os princípios do discernimento

Estudar a perfeição do acasalamento

Quero um oceano

Coberto por um céu insuportavelmente firme

Insuportavelmente ignóbil

Onde possa ver chamas a sair de um mutilado

Como a raiva de um falso enclausurado

Onde a justiça possa empedrar os passeios

E eu me possa calar de vergonha

Porque afinal...

Não sei o que são as leis humanas

Nem o meu corpo tem tanta sede

Que não possa passar sem água...

Benditos todos os momentos

Bendita a terra...maldita a guerra

Benditos todos os júbilos multicolores

Bendito o céu...bendita a glória

E as carnes podres das selvagens flores

Benditas as praias e os anjos e os Navajos

Que os brancos exterminaram

Bendito o ouro...bendito o vento

E o tormento que o chão glorifica

Benditas as manhãs e as bruxas

E a imoralidade que dispensa a moral

Benditos os desfigurados e os artistas

Ensarilhados e desiludidos na solidão total

Benditas todas as vitórias e todas as mentiras

Que se acrescentam às verdades

Benditos os atirados ao chão

Benditos os que se levantam

E os que se evitam

Benditas as ideias desfiguradas

Entrelaçadas em mim e que sabem a pouco

Benditos os poderes sobrenaturais

E os antinaturais e os olivais

Benditos três vezes os anjos

Que dispenso aos que precisam

E aos que não precisam

Benditos todos os ardores

E todos os ardis que as minhas entranhas...estranham

Benditos todos os sarilhos

E os empecilhos a quem não peço perdão

Benditos todos os raptados da solidão

Benditos os que vivem dramas de algodão

Bendita a amiga mão

Que descreve a curva letal

Da estalada no próprio rosto...e o oposto

Bendito o socorro e o ar do inferno

E a paz espiritual... do animal

Bendito o catecismo e o mutilado e o danado

E... a pena capital

Benditos os que se imaginam felizes

E as actrizes e... as meretrizes

Benditos os demónios e os neurónios

E os rituais de acasalamento

Enfim...

Benditos sejam todos os momentos...

 

Feliz 2025

 

Desencontros

Sob árvores irreais

Frágeis sombras imprecisas

Penetram-me na imaginação

Dizem-me que somos insípidos...pálidos

Profundamente apagados...

E que transportamos o adiar da alma

Com prazer alucinado

Inocente...teatral

Como uma irrealidade conversadora

Coberta da flores vãs...

 

Os dias mudos...

São frágeis papéis encantados

Que uma candeia feita de silêncios alumia

Como se fosse uma lembrança

Composta por memórias pálidas

 

Sombras...

Sabemos que somos sombras

Sombras que adiam a vida

Com esperança de retardar a morte

Sombras que se apagam

Como últimos actos de uma peça sem sentido

Sombras requintadas...amigas de vida fácil

Feitas de tempo que voa nas asas da loucura

Porque é preciso regar o jardim esvoaçante

Que vive no espírito...alimentá-lo

Pegar nas flores e cheirá-las até ao cimo

Senti-las como amantes perfumadas

Requintadas...ricas de prazeres imaginados

Que assomam nas horas mais profundas

Sei que nenhuma angústia fará mudar o horizonte

Sei que nenhuma esperança fará acabar o mundo

Compreendo que um mastro sem vela não trará alegrias

E que a esperança é uma volúpia fechada num quart

Onde um piano mágico

Toca de olhos fechados

A ária triste do desencontro!

 

 

Emoções

Fechado numa emoção impulsiva

Salto a margem que me divide

E atravesso o barranco

Por onde se escoam águas barrentas

Não cambaleio...dou enormes passos

Como se fixasse a alma numa afeição

Ou numa mordedura quente

De onde brotassem tímidas palavras...desassumidas

Páro depois...com um desgrenhado zelo

Numa encruzilhada de gente rara

Que me surge como se fosse

Uma fosforescência de filigrana...

 

Abandonado ao desleixo dos dias

Como uma brutal fumaça de erva

Dormindo sob uma majestática impaciência

Afago essas cabeças sem raiva no coração

Apenas as quero ver coloridas

Como se fossem uma tribo

Que anuncia dias floridos

Com sinaizinhos de fumo

Que se elevam sobre a pele clara das faces mimosas

Afago essas crianças

Vestidas de belos bibes multicolores

Reposteiros que destapam a luz

Onde as pedras sanguinolentas e sombrias

Se fundem em caprichosos vergões violeta

Que irados me assaltam os olhos empedernidos

Como se fossem sinais de espanto

Polidos como azeviche

Dormentes como a palidez

Majestosos e delirantes

Como grandes sequóias bradando aos céus

Que me contemplam os denegridos olhos sombrios

Vazos por uma espuma enrubescida

Como um sol esquecido

Ou como um anjo sem auréola

Que se vestiu de fantasma...

Sol

Embala-me a loura paisagem

Do loureiro sopra um perfume encantado

E eu salpico-me de venturas

Sob um suave sol...

Peço-te sol que descanses sobre mim

A felicidade da tua mão acariciadora

Que a passes levemente pelos meus cabelos

Que me saúdes como gente amável

Para eu voltar a ser

O adolescente que o vento acordou...

Através de uma passagem no buraco do tempo

Que me fez esquecer

Como num sonho de dias desencontrados

Que meu fogo

Sufocado pelas chamas do meu dilúvio

Pode reacender a frescura

Do meu buliçoso coração...

Tempo ondulante

Escuto o precipitado piscar

De uns passos frementes

Escuto aquele amontoado

De sons proferidos em surdina

Sons abandonados nas ruínas de uma inquietação

Sons ausentes...

Sem tempo para vislumbrar desgostos

Sons desligados dos lugares...das vinganças...sórdidas

Sons totalmente falhos de vozes

Esquecidos da quietude silenciosa

Do tempo ondulante

 

Não há obscuridade na argila vermelha

De onde saem emanações de grotescas farsas

Não há curiosidade

No olhar pousado numa grandeza apagada

Tudo está permanentemente em declínio

Tudo decorre inutilmente

Como se fosse um desenho

Feito por serpentes desencantadas

Sobre amarrotadas bandeiras enxutas de vida

Não há regresso nem vozes acaloradas

Não há emanações misteriosas

Tudo é como uma vigília

De onde uma ingénua face se ausentou

Tudo é como uma angústia

Que segue num cortejo de poucas palavras

Como um jejum judaico

Ou um gorgolejar de ventos batidos pelas árvores

Onde penduramos saudades

Como achas para a lareira

Abrasando-as num ardor de fagulhas

Que desesperadas se erguem em risos incontroláveis

Ou como torrentes de pés descalços

Ou como venenos atiçados

Por espumas anquilosadas

Não há ânsia nem desprezo nesses dias

Há apenas uns belos olhos ofuscados

Que riem como se tivessem encontrado

Dentro de si …

Um pranto majestoso que os libertasse...

 

Um longo silêncio

Vestias seios duros

Que bebiam nas minhas mãos mornas

Todos os cânticos do dia

 

Enquanto preguiçávamos sobre as nossas línguas

Longas como céus

E rolávamos na crista das ondas

Morenos como ares encantados

Era nosso o triunfo do dia

E todo o sal

Que escorria dos corpos ensopados... era nosso

Sentíamos na boca

O sal soletrado da noite esvoaçante

Como se fosse uma renda de bilros

Tecida com fios de espuma

Era bom nadar...beber a água morna da noite

E depois...estilhaçar na areia

Com um enorme grito... profundo

Todos ao ardores da alma

Lembro-me daquela noite

Em que fomos corpos que escorregaram

De uma paixão nascida numa pequena onda

Para um longo silêncio fechado ao mundo …

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