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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

coluna de sábado - a corrida ao armamento

Nenhum estado se encontra seguro quanto à sua independência. A vontade dos estados se subjugarem mutuamente está sempre presente e a corrida ao armamento, não só torna a paz opressiva e é prejudicial à prosperidade dos povos,( uma vez que o dinheiro gasto em armamento é tirado ao povo), jamais pode afrouxar. A paz universal e duradoura baseada no equilíbrio das potências, ou no respeito pelas leis universais, é pura quimera. Rosseau defendia a ideia de um estado universal dos povos, mas foi comparada a uma ideia saída da escola primária. É verdade que é possível e até poderia existir um estado universal dos povos, mas teria que ser mudada a natureza humana. Veja-se os exemplos da guerra na Palestina e na Ucrânia como forma acabada da tal impossibilidade do ideal humano de paz e de união dos povos poder prosperar.

Créditos - inspirado em Kant

Uma luz irónica

Sento-me num tosco banco de pedra

À beira do precipício

Não sinto necessidade de nada

Nem da falsa simpatia bela e calma

Nem das coisa profundas...que não entendo

Estou só...e não me queixo da pura ironia

Gosto dela...como-a como a um fruto pensado

Tem um sabor insignificante como o destino

Uma grandeza gratuita

Um cheiro silencioso a inconsciência.

A anemia que me toldava os sentidos

E que era como uma névoa a cobrir-me de sarcasmo

Fugiu...irritada e pálida

Perante o sagrado espectáculo da natureza

Afoguei então o meu prazer no ilimitado horizonte

Vacilei entre o riso e as lágrimas

Saudei silenciosamente a graciosidade do rouxinol

E... a minha alma puída...

Encantou-se pelo mais insignificante raio de sol.

As pedras sonolentas espreguiçaram-se com volúpia

Perante o Reino do verde e das sombras profundas

Esqueci o embrutecimento da cidade decadente

Dos prazeres afixados em cartaz

Dos editais cronológicos

Que evocam o pasmo dos livres-pensadores

Chegado ao cansaço

Compradas as alegrias na loja mais próxima

Tirados alguns momentos ao delírio

Vem Satã aconchegar-se aos meus pés

Queixa-se de Deus que não quer brincar com ele

Porque Deus não brinca

É apenas uma luz irónica ao cair da tarde....

Gratidão

Incógnito... o destino cresce silencioso

Incompreensível como um perfume raro

Leve como um fabuloso vestido de seda

Tecido por milhares de fios-dias

Surpreendido por um aroma cheio de sonhos

Que se estendem

Para onde as palavras não têm sentido

 

Palavras esquecidas

Insoletráveis como ressonâncias obscuras

Penduradas na árvore solitária de ramos secos

Onde aguardam a hora de partir

 

Alvorada irónica

Que a tempestade de verão acenderá

E onde rígidos...perdulários

Nos encontraremos com a gratidão

Da vida...

Pés descalços

Como pedras subindo a encosta

Aprisionámos os deuses numa jaula de circo

Somos selvagens a emitir claridade pelos olhos

Somos eternos como as neves... que se derretem

E somos a água dessas neves

Que foram eternas...

 

Somos feitos pela arquitetura do universo

Pinturas de um tempo que não era rupestre

Colossais...subalternos...altivos...inexplicáveis

Somos altas pontes sobre fundos rios

Cúpulas de todas as catedrais bizantinas

Aço...raio e diâmetro de todas as circunferências da vida

Plataformas que os Deuses escalam descalços

 

Somos profundidade e prodígio

Temos em nós todos os níveis da vida

Reconhecemos que o tempo tem um estilo

Recheado de arcadas flutuantes

Somos transeuntes de uma rua agreste

Camas... onde os dias se deitam preguiçosos

Porque os dias têm de seu...apenas o seu dia

Não possuem mais nada...não têm mais luxos

O seu luxo somos nós e o sol que desponta

E à luz desse sol

Somos comédias sombrias e dramas eróticos

Que geram no seu centro uma luz de nobreza

Uma luz prodigiosa e extravagante

Que ilumina...

Os nossos pés eternamente descalços!

Memória

Tenho todas as estradas

E todos os pavores me falam

Das distâncias que devo percorrer

 

A noite é uma nesga de silêncio

Que pulsa na minha memória

Como uma sede a lembrar saudade

 

Saudade da vibração da água

Caindo em cascatas

Sobre os nossos corpos nus

Saudade das pálpebras

Que se agitam na incoerência das horas

Que agora...não passam de delírios

Enquanto atravesso os meus desertos

Que se apegam à minha vida

Como corredores sem fim

Nem finalidade..

 

Mas o que te queria dizer...

É que as cidades

Agora já não me servem para nada

Agora sou o princípio do meu precipício

E a água...ainda me lava a memória de ti

Ainda me leva a ti

A água...ainda fica turva quando o tempo me sobra

E eu sinto a seiva que circula em mim

E me corrói...

 

 

Já não me dou ao trabalho de procurar saídas

A manhã é apenas a hora de acordar

Ou de sorrir

 

Tudo se apaga...não há desculpas

Parar... ou seguir em frente..

É apenas uma forma de falar do tempo

Do passado e do que passará

É apenas água

A tecer uma imprópria forma de sentir

E talvez tudo seja apenas uma memória gravada

No coração!

A erosão do tempo

Passar para o outro lado do mundo...esvoaçar

Limpar as memórias

Como quem esvazia um sótão poeirento

Atirar ao ar essas réstias de memórias velhas

Em suma...mergulhar num espaço

Onde o futuro desistiu de ser futuro

E tudo é apenas presente

 

Sobra-me a noite balbuciante...sobra-me a sede

Mas às vezes ainda sinto a vontade

De correr desordenadamente pelas ruas

Como se fugisse dessas ruas que vêm ao meu encontro

E dentro de mim se partisse a vontade de ficar imóvel

Num lugar onde nada aconteça

 

Transporto comigo as madrugadas

E o som límpido dos naufrágios

Reencontrei a nesga de luz

Que me leva de encontro aos desertos

Ondulo...numa teia de caos e satisfação

E às vezes ainda me sobra o tempo

Para espreitar o azul cálido da tarde

Onde me desfaço

Corroído pela erosão cinzenta do tempo

Abarcar o nada

O desejo espia a escuridão

Onde um diorama solitário sobrevive

Penetro nessa ilusão de imagens acesas

E perco-me na sua densidade

 

Traço a minha imagem sem contornos caligráficos

Obedeço à minha pele que seduz o silêncio

Parco xisto a vibrar nas veias

A abarcar a calamidade dos ossos

Que se desfazem na turva emoção dos sentidos

Como pressentimentos sem eco nem beiral

 

Podia evitar muita coisa...se quisesse

Mas prefiro acoitar-me na minha indolência de gato

E espreitar por entre as estrelas

O negro abismo da minha vida

 

Seria muito simples dar um sinal de mim

Seria até muito original mostrar que estou vivo

Que os meus olhos são sólidos

E o meu espanto ser um sinal de existência

Mas prefiro decorar os meus dias sem a noção das horas

E transformar-me em qualquer coisa simples...arguta

E sintomaticamente desinteressante...

Pequenos barcos de papel

Pequenos barcos de papel

Pequenos dedos a revolver o horizonte

Nos silêncios semeados pelo eco da dúvida

Uma alma gira...sôfrega de tanto girar...

 

Empresta-me essa asa que mansamente me afaga

Ergue-me um sopro desenhado pela luz

E caio...redimido numa concha de fogo...

 

Quebradiço encanto que se suspende nos meus olhos

Desconhecida palavra que revolteia no segredo da tarde

Quantos sonhos emergem do obscuro nada?

Quantos nadas emergem do obscuro sonho?

Quantas vidas se calam na treva do passado?

E quantos homens se erguem na decapitação dos dias?

Cometa

Vejo traços de solidão em cada manhã enregelada

Vejo pétalas de rosas deslumbradas

Quando a minha mão repousa nas gotas da geada

 

E pergunto à terra e às raízes

Se os olhos da primavera se cobrem de cores

Se as ervas temem os deuses das trovoadas

Quando no chão despontam rastos de vidas

Pela terra amortalhadas

 

E sento-me na noite que começa na primeira estrela

Arrasto um traço de fé em cada madrugada

Sentar-me na penumbra não me assusta

Deslumbra-me sempre o eixo retilíneo de cada estrada

Porque sei que há um rasto em cada inverno

Que desemboca sempre...sempre

Nos braços austeros de uma luz queimada

Que me impele a ser palavra...a ser cometa...

A ser nada!

As Três Marias

No terraço o alecrim que vivia nos vasos regados pela cacimba. A lua alumiava a noite com o seu aroma de doçura. Em frente, no escuro, as Três Marias subiam no céu raso de negrura. Era o tempo da floração dos hibiscos e nas sombras desarrumadas das pereiras apareciam vestígios de gatos nocturnos. As rãs, no tanque, entoavam uma opereta lembrando o coaxar da vida. Os insectos embriagados pela luz mortiça da casa cresciam como incertezas. Havia ainda o silêncio dos livros nas estantes. Havia o pólen sufocante dos limoeiros em flor. Eram momentos em que o pensamento acendia o seu lume e o tempo corria pelos corredores silenciosos da casa. Era um tempo desarrumado que repousava nos rostos agónicos que pendiam das paredes. Havia a incerteza das sombras que espairecia pelos recantos da noite. Os grilos evocavam o perfume da insónia. Dormir era perder tempo. Dormir era o desencontro com a aves nocturnas. Havia um toutinegra que fazia casa na garagem, era um nicho acolhedor onde eu gostava de brincar aos encontros com personagens que só eu conhecia. Dentro e fora de mim havia estrelas, céus feitos de casas coloridas, soalhos de açúcar e chocolate. Um dia soube que tinha crescido. Que as minhas mãos eram agora feitas de sombras e perdas. Que as minhas calças já não tinham vestígios de terra nos joelhos. Então deixei cair os olhos sobre o jardim. Esperei que os amores-perfeitos se embriagassem e deles irrompessem pessoas com estames nos cabelos. Soube que a marcha da noite se parecia com um lençol sujo de estrelas. Subi os degraus que davam para o primeiro andar da casa. Aspirei todos os aromas da noite e estendi-me no chão do terraço como se fosse a vida a secar as águas salgadas dos olhos.

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