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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Posso viver de silêncios

Posso viver de silêncios

E acender-me como uma espora de fogo

Quiasmo de vento...intriga de sombra...espasmo de sol

Daqui posso ver a borda da solidão

Descansar da insónia aguda

Gravar nos braços o naufrágio de cada hora

Daqui posso esperar

Até que o vento assassine a chama da vela

Que o cume do silêncio me atinja em cheio no peito

E que um travo de sol aqueça as veias das árvores

Os nossos demónios

Há uma ânsia a contemplar um país que inventamos

há uma dor cautelosa a deitar-se na noite

Os nossos corpos fecham-se como flores sem sol

Comemos e bebemos junto aos fantasmas

Que incautos ... espreitam os nossos corpos nus

 

Todos amamos os demónios

Que vivem dentro dos nossos astros

Como astrolábios que decepam as formas do horizonte

 

Todos apanhamos a poeira que escorre das ideias

E os nossos íntimos beijos

São golpes a decepar a solidão

 

Talvez um dia admiremos as flores

Que crescem nas sepulturas dos olhos

E os nossos medos sejam cores

Gemendo na imensidão esvaziada do tempo

 

Como vulcões que sopram na penumbra da sua lava

Ou como alfanges que cortam os gestos vazios

Do musgo madrugador nascem desejos de nadas

À beira da tempestade

À beira da tempestade amaste o mar

Tinhas os olhos imensos

Profundos como a noite que emergia de ti

Esvaziavas a alma

Na límpida ternura da espuma imaculada

Eras um enigma atento à pele húmida da tarde

Rias das mordidelas do frio

Provando o sal que o vento trazia

Desejado sal... feito da rama ácida do sol

Que se despejava sobre a tua solidão …

Como uma extensão de sono profundo

Que se inclinava sobre ti...

Silêncio intacto

Não sei que pétalas se escondem

Por detrás da imensidão do tempo

Mas o frio da distância

Esse sublimado estar por detrás das palavras

Esse leme que nos conduz

Às memórias de serranias e de ventos

Esse sermos nós...

Feitos da alma da terra ancestral

Esse silêncio que transportamos

É o que nos aquece

É o que vela pela nossa pulsação

É o que circula por dentro

Da lonjura caiada das casas onde nascemos

Como um artefacto

Feito do sangue intacto dos nossos avós...

O futuro

No percurso dos céus

Vive a avidez nómada das cidades

Vive a flutuação despropositada do sono

Vive o murchar interminável dos corpos

Vive a paixão ignorada dos dias

Vive o cio vulnerável dos espaços

Onde o tempo se gasta

E o futuro não passa de uma insuportável demora.

As aves

As aves mitigavam a nossa solidão

Voavam dentro do nosso olhar

Como camafeus que sorviam

O crepúsculo improvisado pela chuva

Às vezes nascia em nós uma fala de jardins

Um flutuar de paixões...um infindável mundo

Como se a existência fosse um sonho sem realidade

Uma metafísica de tempo esvaziado de horas

Paradas no sono ácido das flores.

 

As aves rasgavam o mítico dia

Numa improvisada fulguração de lume e deserto

Como se o sangue jorrasse

Em catedrais de galácticas manhãs

Carne de areia...pedra de chuva

Esboço de compasso improvisado

Assomo de coragem e vida inquieta

O ponto do silêncio

Seguimos o ponto onde o silêncio se esconde

Onírico vazio de figura desalinhada

Vã espera de sol dramático...deserto escondido

A rua encontra-se com o frio

Enterra-se no frio...dispersa-se no frio

É uma rua de frio

A rolar pelas costas estilhaçadas da noite

A órbita do sol quebrou-se

Como um suicídio de liberdade

Do mar evadiam-se pássaros bíblicos

Como marés de navios a desabrochar na areia

Liberdade de espuma quebrada

Encosta suspensa no martírio do vento

Uma bússola cavalgava o imenso desconhecido

Ordenava o rumo dos gritos

Como uma exaltação de pedras e mundo

Áspero desenrolar de batalha marítima

A colar-se na concha líquida da lua...

 

A poeira do tempo

Por entre a sinfonia das cigarras

Recordo o teu rosto gravado na pele das oliveiras

O teu sorriso é uma miragem

Que a calma noite de verão enche de perfume

Vejo-te através do jardim descolorido da magia

Implacável sombra de dias sepultados

Floração de silêncios tremendo

Na sombra inquieta dos segredos.

 

Na recta dos dias traço círculos encantados

(Suponho que são encantados)

Porque são feitos da harmonia perfeita das giestas

Tomo a tua imagem em minhas mãos

Abraço-a como quem se perde num relógio sem tempo

Onde penetro o segredo inquieto

Da poeira que o tempo levanta...

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