A espuma que se desfaz no pensamento.
Era noite mas não tinha anoitecido. A luz tinha sido comida. Pelas casas. Pelas árvores. Pelas estradas. A luz tinha desaparecido. Ele estava calado. Sentado nesse recanto de tempo raro onde os rostos se tornam infinito. Tinha nascido com um número-limite de palavras. Tinha-as gasto todas. As suas palavras eram como a luz. Tinham desaparecido no seu interior. Ele tal como a luz estavam imersos nesse caos onde respira a profundidade das coisas. Ele estava nesse além de si onde se trava a feroz luta contra a solidão. Ele apenas esperava a exalação das flores. O canto sentido de um milagre. E via agora as paisagens que nunca vira. Baloiçavam nos seus olhos os escuros recantos de caminhos infinitos. Em redor de si não havia côr. Havia um gelado sopro de silêncio. Ele que tinha gasto as palavras via agora através dos poros. Sentia na pele a irreal plenitude das coisas impróprias. Sentia a secreta alegria de perceber a futilidade dessas coisas. E na nocturna vastidão da tarde dividiu-se em dois. E num impulso transformou-se em pássaro. A sua pele ali ficou. A sua alma desprendeu-se de si. E foi procurar toda a espuma que se desfaz no pensamento.