A secura das horas
Sabemos que o chão nos comerá a alma
Cedo percebemos como são duras as mentiras
Que jorram das cidades.
Regressamos ao tempo das pedras nocturnas
Onde residem os anseios do sangue
Habitamos na velocidade confusa das aves
Infundimos respeito aos espelhos
O vento consola-nos a glacial inundação dos desejos
Temos um peito feito com poeira e poesia
Das coisas mais espessas não sabemos
A vida é uma febre que se nos agarra ao corpo
Mas há um consolo...um olhar velado
Um falar de pássaro assustado
Que alumia a esperança na perdição de nós.
Na sede de todos os inícios vivem as palavras
Inesgotáveis palavras
Que se despenham dos pedestais das estátuas
Como pedras susceptíveis de nos partirem o coração
Dizendo-nos que o coração se inunda com travessias nocturnas
E que todos os dias são nascentes
Que correm pelo espaço que nos veste a alma.
Em todos os peitos há desejos impossíveis
Claridades angustiantes
Lâmpadas fotogénicas que confundimos
Com o piar sucessivo das estações.
No interior da terra a noite é surda
Lá ...o homem é um simples absoluto
E o tempo ferve na secura indiscriminada das horas
Até que os nossos dedos se toquem
E sintam a água da chuva que nos corre pelas faces
Como se fôssemos dois grandes muros desencontrados
Agrestes penedias...perdidos
Na imensa persistência das marés.