Apoteose
Amo as tempestades. Gosto de me sentar na falésia e aspirar os insultos do mar. Admiro a embriaguez despretensiosa das ondas. O pânico das rochas a desabarem. O escuro violento da nuvens. A terrível ofensa dos relâmpagos a cortarem um céu de chumbo. Gosto da grandiosidade dos elementos. Da fúria incontida do vento. Tudo isto se parece comigo. Tudo isto é um prolongamento de mim. Tudo isto é o eco de um cansaço. Um crepitar de sentimentos. Uma absorção de força e grandiosidade. Tudo isto representa o tumulto impreciso de um céu. De um futuro. De uma paz. Porque tudo isto é o estilhaço espectacular da vida.
Espreito o salto dramático do mundo. Sempre achei que não há racionalidade nas ilusões. Sempre achei que a vida era uma grande orquestra cheia de fífias. Um debate carnal. Uma ilusória transitoriedade. Uma apoteose de electricidade e água. Onde sentimos que está sempre eminente a nossa saída de cena.
Somos o abandono de deus. A espécie petulante. A irreverência racional e... irracional também. Oferecemos o nosso sono à noite. O nosso corpo aos dias. E o nosso drama a um público que não nos vê.