As nossas solidões
Eu era um clandestino imobilizado sobre um instante sem duração
Talvez me sentisse um desejo
Ou um sorriso que se desmorona sobre a cidade
Talvez o meu tempo fosse pouco
Talvez o tempo fosse um brinquedo que a areia tapa
Talvez eu pudesse explicar todo o medo que me percorre os lábios
Se os meus braços não agonizassem sob um sol cego
Talvez te levasse a descobrir lentamente
Todos os espasmos que me percorriam o corpo
Talvez te explicasse que as aves assobiam ruidosos perfumes
E que as noites são corpos sem fundamento
Que fugiram do fumo opiáceo dos poetas
Toco-te ao de leve? Sentes-me?
Descobre as minhas mãos no teu pescoço
Posso ser o assassino que te estrangula
Com noturnos ardores que te percorrem
Tens as tuas vestes ausentes
És a essência dos corpos tatuados a fitar jardins.
Onde esvoaçam cidades que se esvaziam em luzes laminadas
E ausentes como um eco sem substância
E ausentes seguimos segregando trevas do interior dos nossos corpos
Vendo o nosso filme vestido
Com ensanguentados roupões de cetim negro
Debruçados sobre o sangue da primeira vez
Sobre a paralisia que nos cospe os ossos
Sobre a penumbra vermelha
De uma rendilhada bruma feita de arestas extenuadas
Até agonizarmos dentro duma nítida pétala de quartzo.
Que orbita por cima de todas as nossas solidões.