As Três Marias
No terraço o alecrim que vivia nos vasos regados pela cacimba. A lua alumiava a noite com o seu aroma de doçura. Em frente, no escuro, as Três Marias subiam no céu raso de negrura. Era o tempo da floração dos hibiscos e nas sombras desarrumadas das pereiras apareciam vestígios de gatos nocturnos. As rãs, no tanque, entoavam uma opereta lembrando o coaxar da vida. Os insectos embriagados pela luz mortiça da casa cresciam como incertezas. Havia ainda o silêncio dos livros nas estantes. Havia o pólen sufocante dos limoeiros em flor. Eram momentos em que o pensamento acendia o seu lume e o tempo corria pelos corredores silenciosos da casa. Era um tempo desarrumado que repousava nos rostos agónicos que pendiam das paredes. Havia a incerteza das sombras que espairecia pelos recantos da noite. Os grilos evocavam o perfume da insónia. Dormir era perder tempo. Dormir era o desencontro com a aves nocturnas. Havia um toutinegra que fazia casa na garagem, era um nicho acolhedor onde eu gostava de brincar aos encontros com personagens que só eu conhecia. Dentro e fora de mim havia estrelas, céus feitos de casas coloridas, soalhos de açúcar e chocolate. Um dia soube que tinha crescido. Que as minhas mãos eram agora feitas de sombras e perdas. Que as minhas calças já não tinham vestígios de terra nos joelhos. Então deixei cair os olhos sobre o jardim. Esperei que os amores-perfeitos se embriagassem e deles irrompessem pessoas com estames nos cabelos. Soube que a marcha da noite se parecia com um lençol sujo de estrelas. Subi os degraus que davam para o primeiro andar da casa. Aspirei todos os aromas da noite e estendi-me no chão do terraço como se fosse a vida a secar as águas salgadas dos olhos.