Pensei que o mundo se movia
Pensei que o mundo se movia pelo calcanhar das palavras
E que a poesia era um tempo sentado em horas feitas de sólidas aves
Assim..de manhã ...os galos apelam ao renascimento da natureza
Os olhos abrem-se ...cheios de um tempo irrequieto
Por vezes sentimos a fome das coisas maduras..o latejar da cinza..
O lume que se esconde num esboço de deserto
Este mar chega-me...este fogo sofre..a estrada é uma duna impalpável
Sentei-me sobre o esquecimento...como se escrevesse um poema lunático..kafkiano
O único poema possível..aquele que voa sem perecer...
E há um tempo que permanece na invenção das horas..
Uma treva escondida no suicídio do mundo..como um voo de pássaro desarticulado
Será que as crianças se fixam dentro de nós?
E que dançam montando cavalos de corrida?
Sabemos que sob a impassível face do silêncio
Acordamos a contemplar o lento apelo das palavras
E as mãos..as catástrofes..as palmeiras que latejam sob a imobilidade dos olhos
Penso em inventar um rosto sólido..
Uma chaga ou uma alma de que me esqueça logo a seguir
Poderia jorrar como vento e recomeçar a noite em qualquer parte de mim
Como são precárias as litanias da paz
São com sombras vermelhas que perdem o peso ao cair da noite
Também posso ir à janela e incendiar o horizonte..correr riscos..sentar-me no inverno
Quero devorar aquela sepultura que zumbe como uma mancha..será possível?
Será possível que dentro do meu corpo haja um espaço desconhecido? Sideral?
Ou uma construção feita de peixes inacabados?
Por mim..apago todos os silêncios e todas as tormentas
Troco-as por um rosto que me diga....até amanhã...