Barco solitário
No fim...
Tudo voltará a ser como nos primeiros dias
O céu pouca atenção nos prestará
As aves serão apenas passagens
E o verão...
Será como um molhe atado ao nosso corpo
Um barco solitário com tranças de espuma
Na limpidez dos olhares veremos corações
Versos surdos à intempérie
Paralisados pelo asco das migalhas
Que restam na mesa suja onde comemos
Bastava uma palavra
E todas as cicatrizes da memória ficavam curadas
Bastava um abraço...um apertar de lumes
E um cheiro de vida floresceria
E tudo seria água fresca
Escorrendo pela milenar fonte da nossa alma
Mas há a insónia
Esse navegar pela noite
Esse mastro atacado pelo escuro
Nunca cheguei a saber
De quantas letras precisava para chegar a ti
Nem a quantidade de véus opacos que sobrevivem aos sonhos
Mas há ainda o cheiro do quarto esvaziado de nós
Mas há a penumbra onde ainda te vejo...despida
Tão jovens e com tantas coisas dentro
Que até os suspiros
Eram beijos onde as lágrimas pousavam
E perante a incerteza das águas
Desfizemos a ternura em charcos lamacentos
Avançámos...
Deixámos na nossa esteira uma sombra em branco
E os peixes diziam
Que a vida era a espuma que se colava aos nossos pés
E as estradas diziam
Que a vida era o pó que se colava ao nosso corpo
Mas nós...nada dizíamos...apenas olhávamos o ar
Parados...na vida...