Como se não fôssemos ninguém
É tão curta a distância entre um gesto e um beijo
Entre o estar e a ausência
Será que nos perdemos quando rasgámos a fotografia esquecida?
Será que do nosso vazio inventaram flores vermelhas?
E que do nosso sangue despontaram sátiros?
Onde começaremos?
Onde estaremos no fim despropositado dos dias?
Ardem-me os olhos e as palavras
Um pássaro voa pela toalha da mesa
Restos de açúcar...
São minúsculos despojos de esquecimento
Bebo a imagem vertiginosa do caos
Sulco de sangue na bruma da tarde
Os pássaros espalham versos pelo entardecer
As paredes esvaziaram-se na hipocondria dos dias
E a espuma dos barcos traça uma recta
Irregular imagem de partidas
Na ausência das paredes
As fotos falam estranhas línguas
Límpidas...as dúvidas..
São sirenes de navios a avisar o vazio de nós
Penso que a noite é cega
Que é como um além que nos separa
Por dentro da vidraça o medo acumula-se
A rua despede-se dos nossos passos empedrados
Enquanto nos jardins..os insectos colhem mel
E a melancolia invade os poros das flores
E nós..aqui estamos
Como se não fôssemos ninguém....