Como um bote que parte
Há toda essa espécie de passado
A ferir-nos a lucidez inabalável dos dias
Há todo esse sentir que o destino
É uma assombrosa aventura da consciência
De que nos serve todo o Universo a dispersar-se no nosso sangue?
De que nos serve descobrir
A flecha distendida pela mão do futuro?
De que vales...de que águas...
De que ânsias se fazem os contentamentos do mundo?
Olho a rua...
E vejo candeeiros que se acendem para a noite exorbitante de olhares
E penso …
De que verdes se fazem as árvores no escuro nocturno?
Que silêncios ecoam nos coágulos brancos das memórias?
Sabemos que o mundo é uma garra
Que se ergue na penumbra ansiosa dos remorsos
Sabemos que o cerne da Morte
Reside no inabalável clarão da Vida
Sabemos que a brancura da espuma
Vem das profundezas do céu
E que os olhos voam
Tal como as aves se sentam nos bancos das nuvens
Mas o Mundo...
Essa extensão de vales e de passados
Essa ansiedade exposta
Aos vendavais que se erguem das aflições
Essas almas...quase vida..quase nada..quase tudo
Espalham-se nos prados
Ecoam nas lezírias
Sobem até ao último cansaço dos corpos
E há trovoadas...há impressões...
Há cheiros a cinza..compactos..fluidos...verdadeiros
E as copas das árvores dançam na loucura dos quartos
A alegria é uma recta oblíqua e fantástica
A empurrar o céu para dentro de nós
A estalar na manhã das neblinas ofuscantes
A empurrar-nos para dentro do além
Como um bote que parte sem velas nem vento.