Como um pensamento
Caminhei nessas trevas cobertas de pétalas
Nessa noite em que o vazio
Foi expulso pela espargia da manhã
Gravaste em mim o precipício...as palavras fugazes
O leme violento da aurora
Por quem dobram os sinos nessa repetição sonolenta dos dias?
Que céus se encolhem no sono inacabado dos anjos?
E as cidades...e o verão...
E os exércitos de cordas vocais a entoarem hinos absurdos
Onde despertaremos um dia meu amor?
Onde deixaremos o brilho plástico das águas?
Para onde fugiremos?
Uma vez dediquei um poema inteiro ao brilho dos teus olhos
As minhas mãos puxaram até mim as palavras que os lábios calavam
E foi como se uma vela se incendiasse
No gelo nocturno do meu peito
Ah e as calamidades? E as extinções?
E o fulcral aperto dos lugares vazios?
Sairemos como vencedores deste jogo aflito de palavras?
Ou a escravidão heróica dos dias submeter-nos-á ao silêncio?
Já não me lembro do tempo
Em que as harpias pediam perdão aos homens
Desse tempo em que o sangue
Circulava ininterruptamente pelos becos
Inundando a vida com as suas pulsações inebriadas
Caminhando pela palidez dos portos
Infiltrando-se na maresia açucarada dos corpos
Ai meu amor...limitamo-nos a estar vivos
A sorrir...a procurar o amparo das mãos
Como turvas excrescências
Evoluindo debaixo de um céu absorto
A pedirmos rendição...calados...sussurrantes
A invadir as flores com pólens de felicidade
Em que lugar encontraremos essa luz que apaga as cidades?
Essa luz avassaladora que corre sem destino nem amparo
Como um véu...como um verão...como um pensamento...