Comoção
Vivemos com tantas incertezas
Na certeza incerta dos dias
E os gestos inúteis
Correm como insectos excessivos
Sobre a pureza rara das perguntas
Que a noite sem brilho
Faz ainda mais cruas
Desfazemos os olhos...desviamos os olhos
Esquecemos as caras...
Comemos os lábios...desdentamos os choros
E pouco a pouco
Somos um novelo de rugas disformes
Num rosto que espreita os dias...
Abraçamos uma máscara de fantasma
E cobrimo-nos de incómodos
Para unicamente sermos
Uma vertigem nas ruas cinzentas...
Temos realidade?
Pergunto...temos realidade?
Em soluços de luz
Surgem dias nas manhãs
Cada objecto ganha olhos
Observa-nos extasiado
A nós...seres sem qualquer préstimo
Os objectos servem-se de nós
Damos comida aos pratos...vinho aos copos
Somos os escravos dos objectos
Os vigilantes de um ninho de minutos
Somos umas linhas
Que se escondem nas curvas das veredas
Rodeados de ciprestes
Cheiramos a insectos
A bocas desdentadas...a olhos calvos
Esfregamos as mãos para distrair os dedos
Que querem tocar em seres celestiais
E pouco a pouco a nossa intimidade
Deprimida pela vigília do tédio
Transforma-se num desenho sem brilho
Transforma-se num dia sem portas
Que nos irrita os olhos cansados...
Queremos terra...
O corpo pede terra...colinas...céus
Palavras atiradas à cara
Depois queremos tréguas...ervas...gestos luminosos
Melodias que escorram pelas paredes
Cantos de aves...queremos sempre o mesmo
Queremos a escada
Por onde as lágrimas por mais grossas que sejam
Escorram em direcção ao sol
Que depois as seque
E que nos afague com o seu excessivo brilho
Que nos estremeça os olhos
Quando o nosso coração principia a aquecer
Tão naturalmente...
Como uma voz que nos chega soprada pelo vento
E nos diz que é inútil
Que é sobre-humano
Tentar comover o céu
Com as nossas lágrimas...