Discurso sobre a Servidão Voluntária -parte 1 - dedicado a Alexei Navalny
Neste florido mês de Abril, nesta Europa e neste Portugal onde a extrema direita ganha terreno, vou transcrever partes do mais belo livro jamais escrito sobre a liberdade.Trata-se do Discurso sobre a Servidão Voluntária, escrito por Etienne da La Boétie (1530-1563) e dedicado a Alexei Navalny e a todos os que lutam e lutaram contra as ditaduras. E é assim:
"Quero para já, se possível, esclarecer tão-somente o facto de tantos homens, tantas vilas, cidades e nações suportarem às vezes um tirano que não tem outro poder senão o que lhe é dado; que só tem o poder de os prejudicar enquanto eles quiserem suportá-lo; que só lhes pode fazer mal enquanto eles preferirem aguentá-lo a contrariá-lo.
Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso de jugo, esmagados não por uma força muito grande, mas aparentemente dominados e encantados apenas pelo nome de um só homem cujo poder não devia assustá-los, visto que é um só, e cujas qualidades não deviam prezar porque os trata desumana e cruelmente.
Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não a obedecer mas a servir, não governadas mas tiranizadas, sem vida a que possam chamar sua.
Chamaremos a isto covardia? Temos o direito de afirmar que todos os que assim servem são covardes?
É estranho que dois, três ou quatro se deixem esmagar por um só, mas é possível; poderão dar a desculpa de lhes ter faltado o ânimo. Mas quando vemos milhares ou milhões submissos a um só, não podemos dizer que não querem ou que não se atrevem a desafiá-lo. Quando vemos homens, cidades e países submeterem-se a um só, todos eles servos e escravos, mesmo os mais favorecidos, que nome é que isto merece? Covardia?
A covardia não vai tão longe, da mesma forma que a valentia tem os seus limites: um só não defronta um exército. Que vício monstruoso é este que nem merece o nome de covardia.
Ora o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermo-nos dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada sobre sí próprio. São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para ser esmagados, pois deixariam de o ser no dia em que deixassem de servir. É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.
(continua)