Divago...
Passar para o outro lado do mundo...esvoaçar
Limpar as memórias como quem esvazia um sótão poeirento
Atirar ao ar essas réstias de memórias velhas
Em suma...mergulhar num espaço onde o futuro desistiu de ser futuro..
Sobra-me a noite balbuciante...sobra-me a sede
Mas às vezes ainda sinto a vontade de correr desordenadamente pelas ruas
Como se fugisse dessas ruas que vêm ao meu encontro
E dentro de mim se partisse a vontade de ficar imóvel
Num lugar onde nada acontece...
Transporto comigo as madrugadas e o som límpido dos naufrágios
Reencontrei a nesga de luz que me leva de encontro aos desertos
Ondulo...numa teia de caos e satisfação
E às vezes ainda me sobra o tempo...para espreitar o azul cálido da tarde
Onde me desfaço...corroído pela erosão cinzenta do tempo...
Todo o meu eu está coberto por sulcos de vidas passadas
Seara de trigo...onde o joio se implantou...frio e inacessível
Se eu pudesse fixar os olhos na distância dessas vidas
Quebraria as sombras que imergem dos contrafortes dos dias
Como quem se ampara a um sonho...ou a uma alterosa fome de ser outro...
Divago...
Sei que as aves se dispersam pelas margens
Há nódoas de sangue nas fotografias
A minha cabeça flutua na ponta de uma pesada tristeza
Qual lança de terra a sugar-me a alma...
Sento-me no sopé de qualquer montanha que me apareça
E ali fico...imerso na minha vontade de adormecer....