Ele...
Tocava nos dias com dedos de nada. Bebia o salitre das ruas com enternecedora aflição. O mundo era uma golfada de jardins. Notícias. Suspensões. Encontros e desencontros. Nos seus planos viviam longínquos projectos. Saturadas auroras. Definitivos inícios. Todos os dias eram inícios. Convexos perfumes. Ressonâncias da infância. A infância que o acompanhava sempre. Que nos acompanha sempre. Há muito tempo que os seus caminhos se quebravam num delírio de musgos. Mesmo quando as gaivotas eram maiores que os seus olhos. Mesmo quando nos átrios os sinos pasmavam com a sua inocência. Nunca entendeu bem a distância que se perdia em si. Amava as flores das cerejeiras. Amava a chuva que encharcava as vidraças. O horizonte era a sua ressonância. O seu cântico de clara transcendência. O seu deserto. O seu mistério. Tinha sempre diante dos olhos aquele quintal. Aquela queda nos degraus. Criança obstinada. Consequência de infinito. Bolor de hera sem rosto. Exílio de vinho divino. Limbo de erros e victórias. Assombro metafísico. Desencontro de princípio e harpa de fim. Melancólico clamor. Ele era tudo. Cada coisa. Cada falha. Cada precipício. Ele era o livro profundo que todos tinham dificuldade em ler.