Entardecer
Na cortina de cada rosto caminham as vozes que nada dizem. Um homem. Um rosto. Uma multidão. Um lume incontido. Uma janela...embaciada. Uma aparência de sol cresce na impassibilidade das luzes. Brilho de música. Debussy. Arabesque nº1. Alguma coisa para matar a fome de um impassível silêncio. Alguma coisa para alargar a alegria. Alguma coisa para promover o suicídio da angústia. E a pedra dos séculos sempre a carregar o peito. E o espinho sempre a cravar-se na vasto areal da alma. E depois o sol. O saber que existo por ti. Que existes por mim. Que o mundo existe por todos nós. Que as flores crescem para nós. Que as aves voam para nós. Que os mares são para nós. Que as folhas caem para nós. E que as andorinhas voltam para nós. Tudo tão presente. Tudo tão perto da mão. Tudo envolto numa estranha perversidade. Tudo envolto numa estranha cera...que se derrete com os dias. E saber que não precisamos de nada melhor do que aquilo que temos. Que podemos escrever versos. Olhar um céu de cobalto. Um céu sem nuvens. E saber que somos tão rudimentares. Cavernícolas. Crentes...no amor. Olhamos o barco que passa ao longe. Enviamos o nosso olhar nessa lonjura. Queremos sentir dentro de nós essa lonjura. Esse apelo. Essa profundidade. Essa florescimento da vontade. Essa branda vontade. Queremos envergar esse véu de ave branca. Para que o verão nasça. Em algum lugar. Em alguma hora...do entardecer.