Espelho em chamas
Inevitavelmente desço dos lugares mais altos
Que as cidades trazem nas costas
E venho observar as vozes
Que ecoam nos peitos gelados
Venho percorrer todos os bancos de jardim
E todos os rostos sem pão
Venho ver a floração das ruas e talvez...
Pise para a lama negra que cobre os passeios
Procuro com os meus passos oscilantes
O vago tesouro de luz que desce dos candeeiros
Que acendem e apagam a minha sombra
Ao ritmo dos meus passos
Não sei porque não hei-de ir para qualquer lado
Não tenho ruas nos braços
Nem espelhos nas mãos
Sou uma catadupa de visões sem cama nem chão
Sou um vago e sinistro dia
Esperando junto ao mar o mês de março
Sou como o sável que vem desovar no rio
No recanto mais escondido do seu braço...
Sou como uma luz circular que sobe esse rio
Amarrada ao barco varino
Sei que em todos os lugares as manhãs
São passos trôpegos dos dias
E que pessoas sem rosto
Vagueiam pelas florestas pejadas de relâmpagos
Nunca me tinha visto num espelho em chamas
Nem nunca me tinha perdido num leito cadavérico
Mas...onde quer que passe....
Abraço a boa sorte
Grito-lhe palavras que se elevam como fumo
Saindo de uma multidão faiscante
E digo-lhe que percorra todos os lugares
E todas as pedras que calçam... os descalços
E lhes entregue o festim que a minha alma lhes preparou
E lhes cante a minha vida
Numa toada em possam mergulhar os seus pés
E os eleve para uma deliciosa noite
Sem pragas e sem carrascos
Porque eu agora vou escutar o teu sono
E levitar sobre o teu transcendente olhar...