Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Estórias da aldeia

 - Deus quis dar-me quase o que necessito e o que me falta procuro com boa vontade: tenho saúde que baste, dinheiro suficiente, anos de sobra, casa própria, filhos, cavalo,cão, espingarda, cozinheira, dois moços e a obra do Luís Pacheco, em onze volumes.Agora só me falta encontrar alguém para me fazer companhia, não para casar, uma companheira, por assim dizer. Quando a encontrar instalo-me no sótão, a ler o que me falta e a esperar a morte, com o cão ao lado, um copo de vinho à frente e a campainha ao alcance. Quero tomar um café ou um copo de aguardente? Uma campainhada e sobe Virtudes,a cozinheira. Quero que deitem mais lenha no fogo ou que me selem o cavalo? Duas campainhadas e sobe André, o criado velho. Quero que me tirem uma mancha do casaco ou que me limpem as lentes? Três campainhadas e sobe Avelino, o criado jovem, que é meio maricas. Quero dar uma foda? Toco no copinho de aguardente com a campainha e sobe a companeira. Quero salvar a alma? Repique granulado e sobe o capelão, para me dar a absolvição, que bom dinheiro me custa. E quando cada qual tenha cumprido com o seu ofício, que se vá outra vez e não me mace, que o que se passa da escadaria para baixo não me interessa, por mim bem se podem matar.

- E para companheira serve uma espanhola?

- E muito, filho, e muito, ou uma chinesa, para mim é o mesmo, a única coisa que me importa, é que seja limpa, obediente,  que tenha boas carnes e fale português, o resto é tudo adorno.

Créditos - Mazurca para dois mortos- Camilo José Cela (adaptado)

2 comentários

Comentar post