Eu não me queixo do meu país
Eu não me queixo do país em que nasci
Eu não quero saber
Que ele não queira saber de mim
Eu não me queixo do pais em que nasci
Hei-de bebê-lo até ao fim
Hei-de desiludi-lo como um farsante
Que lê magníficos versos
Hei-de abusar da alegria e enrolar-me em poesia
Não quero saber que este país não me conheça
Porque haveria de querer?
Eu próprio não me conheço
Quero lá saber que este país
Me deixe flutuar de cabeça ao vento
Ouvindo os sábios que nada sabem
Falando como se soubessem tudo
Quero lá saber que entre eu e o meu país
Haja um universo ininteligível
Se também eu não procuro conhecer
A inteligibilidade desse país...que é o meu
Quero lá saber que não haja esperança nem doçura
Nos agrestes dias que se derramam sobre os abusos
E que por detrás das personagens
Apenas existam queixas e faltas
Eu não me queixo do país em que nasci
Não me queixo do vinho
Dos que não trabalham... das mulheres
E muito menos dos que passeiam a noite pelos corpos
Não me queixo dos medíocres
Nem dos que querem ser reconhecidos
Não me queixo dos invejosos nem das obras-primas
Não me queixo da Bíblia
Nem das desilusões... nem da piedade
Enrolo a minha existência
Numa solene condição encantada.
Em quadros pintados
Nas noites em que flutuo sem memória
E não espero que o meu país me compreenda
Nem espero compreender
Qual o tempo que levo a subir as minhas escadas
Sou um feliz desencantado
Um inocente membro da classe alheada
Porque deveria levar o meu piano para a rua?
Porque deveria derramar doçuras
Sobre a distância que me separa do meu país?
Este país tem horizontes infinitos
Tem mar e é banhado pela tristeza.
É um quarto em que as miragens
Se confundem com a volúpia
Porque me queixaria eu do meu país desencantado?
Se eu estou encantado por ele...
Como se ele fosse
Uma miragem derramada
Sobre personagens agrestes
Eu não amaldiçoo o meu país
Não lhe atiro dardos
Apesar de já ter pisado merda de cão nos passeios
E embirrar com pessoas sem asseio
Eu não me queixo das guinadas
Que o meu país me dá no coração
Não invejo as rotundas...nem as rectas
Nem a verdade...nem as vagas sensações
Nem os famosos...nem os não famosos
Sou assim como que uma distância
Um lugar afastado
Estou errado?
Gosto dos gemidos do mar
Maravilham-me as gaivotas
Encantam-me os simples
E as faces tristes...e as desarmonias
Não...eu não me queixo do meu país
Afinal ele está cheio de uma verdade
Sem nada de extraordinário
É um país...o meu país...este país...
É o único que poderia amar...