Kafka e o pai...ou as marcas da infância
O seguinte trecho tirado do livro - CARTA AO PAI - de Franz Kafka, é elucidativo dos traumas que por vezes os pais causam (sem intenção) aos filhos. Raramente os pais pensam no que fica dentro das crianças para lá do acto do castigo,e de como certo tipo de castigos as podem de facto traumatizar.
“Uma noite, eu choramingava sem parar, pedia água, com certeza não por ter sede, mas para vos irritar, ou para me divertir. Depois de algumas ameaças ríspidas, que não serviram para nada, tiraste-me da cama, levaste-me para a varanda e deixaste-me ficar aí algum tempo, em camisa de dormir, diante da porta fechada. Não vou dizer que o que fizeste não estava certo, talvez nessa altura não conseguisses sossego de noite de outra maneira; só quero, com este exemplo, caracterizar os teus métodos e os efeitos que tiveram sobre mim. Depois deste incidente eu terei sem dúvida ficado mais obediente, mas ele também teve sequelas psíquicas. A minha natureza nunca conseguiu estabelecer uma relação entre o que era para mim perfeitamente natural – pedir água sem razão – e o gesto particularmente terrível de ser posto lá fora. Anos mais tarde ainda sofria com o pensamento doloroso de que aquele homem grande, o meu pai, a última instância, podia vir de repente, sem razão, arrancar-me de noite à cama para me levar para a varanda, mostrando-me assim que eu era para ele um simples nada.”
Este sentimento de medo e rejeição irá perseguir Kafka durante toda a sua vida, assim como irá influenciar toda a sua escrita. O sentimento de claustrofobia e de impotência perante o absurdo, dará os seus frutos na obra de Kafka.