Maré-rasa.
E de repente uma explosão. O pensamento ergue-se como uma paisagem. A alma alimenta-se de uma interioridade de sonhos. Uma amálgama de mundos. Se súbitos sentidos. Breves planos inclinados. Sufocos, visões e harmonias. Indistintos emaranhados de futuros. E de repente uma ideia. Um líquido tempo a escorrer pela mente. Uma monumental vontade de perceber o universo. De espreitar o mecanismo por onde os dias se esfumam. De compreender os dias. De injectar realidade na irrealidade. De alcançar a dimensão do intangível. E de repente uma explosão. O sangrar das trevas. O eclodir dos pequenos fios de seda com se tecem os dias. A luminosa exibição dos enredos. A fresta onde se costuram as ideias. O assomar do assombro. A janela do complicado a descomplicar-se. E de repente uma ideia. A fundura do mar a erguer-se em vagas inconscientes. A ubiquidade da alma. A eléctrica intuição de que tudo é vago. De que tudo aqui está para nós. E que nos meandros da consciência existimos. Que no acendimento da nossa fogueira existimos. Nos borboletões da luz existimos. Na perfuração do vazio existimos. Na faminta janela espreitamos. Na hora do sono dormimos. Às entranhas do silêncio acedemos. Como algas deformadas pelo convexo espelho da maré-rasa.