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folhasdeluar

A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

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A minha poesia, é a minha incompreensão das coisas.

Milagre de amor?

Inicio as minhas manhãs com a leitura do Expresso Curto que recebo na minha caixa de e-mail. Hoje li algo que acho ser meu dever partilhar. Penso que o jornalista do Expresso Germano Oliveira não se irá importar com a minha cópia da sua notícia. Devo ainda referir um outro jornalista que é o produtor e apresentador da Rádio Terra Nova, concelho de Ílhavo, distrito de Aveiro. O texto que reproduzo tem a autoria de Rui Almeida.

E a história é esta:

 

o Nicolau tinha três anos e adora comboios, assim que começou a andar pedia ao pai, o Gonçalo, para o levar à estação de Aveiro para ir ver as locomotivas, às vezes passava um alfa noutras um intercidades ou até um suburbano, porventura também um de mercadorias, não sei o que é pensar como uma criança porque fui uma há demasiado tempo mas imagino-o a sentir-se maquinista daquelas velocidades e formas distintas e a contar as carruagens e a decorar as cores, o Gonçalo e o Nicolau faziam frequentemente estes passeios pela estação porque já se sabe como o amor se consolida nestes rituais, o amor melhora com a cumplicidade de hábitos, mas um dia os médicos descobriram que o Nicolau tinha leucemia e pai e filho deixaram de ser vistos pelo Rui Almeida, ele vive junto à estação e por isso comovia-se da sua janela a ver aquela celebração do Gonçalo e do Nicolau de mãos dadas a admirarem os comboios, o Rui viveu algo parecido quando tinha sido a vez dele de ser criança e sabia portanto a importância daquela rotina entre pai e filho, mas entretanto o Gonçalo reapareceu na estação só, sem o Nicolau, a explicação foi esta: o filho teve de ser internado no hospital, aos três anos de idade a doença trocou-lhe os comboios pela quimioterapia e demais tratamentos, mas enquanto isso acontecia o Gonçalo ia para a estação filmar por vezes um alfa noutras um intercidades ou até um suburbano, porventura também um de mercadorias, o Gonçalo decorou os horários de cada comboio para filmar toda a diversidade da ferrovia e depois regressava ao hospital para mostrar os vídeos ao filho, ia e vinha e ia e vinha, que gesto tão simples mas tão profundamente perfeito pelo Nicolau, não sei o que é pensar como uma criança porque fui uma há demasiado tempo mas imagino-o a sentir-se preenchido de alegria por ser filho daquele pai, sobre tudo isto o Rui Almeida escreveu (há quase um ano )tem sido a melhor definição de amor que consigo: um pai a filmar comboios para mostrar ao filho doente” e a propósito disto eu adultero o O’Neill, “Há amor que nos toca Como se tivesse corpo”, há mesmo e não têm sequer de ser amores historicamente famosos porque às vezes só precisamos mesmo de conhecer estes amores anonimamente volumosos, sempre que penso neste homem na estação a filmar para o filho no hospital só me apetece ir abraçá-lo e a seguir aplaudi-lo ou vice-versa, “Há histórias que nos atingem Como se tivessem punhos”, mas o Nicolau fez quatro anos e está praticamente recuperado, o beijo do Jorge Cravo trouxe essa boa nova, que grande beijo mesmo ó Jorge, e o Rui Almeida escreveu um texto sobre tudo isto, é o que ando a ler e soube-me a beijos também:

 

Este o texto de Rui Almeida:

 

Há tempos contei ao mundo uma história de amor. Era sobre um menino com uma enorme paixão por comboios. Um menino privado de ser menino, a debater-se com os azares da vida, uma doença rara que lhe resgatou os dias, transformando a sua normalidade numa hedionda rotina de sessões de quimioterapia e transfusões de sangue. Um menino que o pai traz pela mão à estação de comboios ao lado do prédio onde vivo. Um menino que a vida obrigou a ser menino de uma forma bem diferente de todos os outros meninos. Nestes meses que passaram aconteceu tanta coisa no mundo, de repente ficaram-nos as rotinas de pernas para o ar; mas para o pai daquele menino, tudo o que aconteceu no mundo se resume a um milagre. Semana após semana, tratamento após tratamento, o milagre foi acontecendo aos poucos. Sorrio ao tentar uma escala mental para o que a ciência explicaria de tudo isto, como passou de prognósticos iniciais tão sombrios para o sorriso bonito que nasce no Nicolau ao avistar a estação de comboios.
Estou em casa. O Gonçalo envia-me uma mensagem e convoca em mim um turbilhão de emoções. Avisa-me que vem ver os comboios com o pequeno Nicolau. Corro para a janela e não demoro a descobri-los.

Olho para aquele menino da minha janela e pergunto-me o que o terá salvo? A ciência ou o amor? Poderá a ciência sozinha ter operado aquele milagre em que era tão difícil acreditar, para quem estava, como eu, a uma janela de distância daquele amor tão puro?Pergunto-me, ao olhar para a foto no ecrã do meu telemóvel, o que entenderá de tudo isto o pequeno Nicolau. Uma foto que acabo de receber, um menino feliz, de mão dada ao seu papá, a extasiar-se com os comboios que passam. Projeto-o no futuro, daqui a anos suficientes para ser um adulto com preocupações de adulto, a ter de lidar com exigências e frustrações, saberá ele que o seu ADN é 100% amor e milagre? Conseguirá ele distinguir o importante do acessório, saberá ele ser o pai que teve, em todas as horas tão difíceis de uma idade tão fácil, um pai feito de amor, de comboios, de dedicação sem limites e sem interrogações?

Salvo? A ciência ou o amor? Poderá a ciência sozinha ter operado aquele milagre em que era tão difícil acreditar, para quem estava, como eu, a uma janela de distância daquele amor tão puro?

Estas lágrimas que reprimo troco-as por palavras que deposito num documento de word, palavras que são fraco testemunho do que tenho dentro do peito, saído há instantes da janela onde acenei amor ao Nicolau e ao Gonçalo, aqui sentado a tentar descrever este milagre do amor.

Gonçalo e Nicolau, está quase. Um dia, todo este interminável pesadelo que vos visitou será uma história que se conta resumida em frases que se dirão de cor. Uma mera recordação de um tempo que o tempo se encarregará de fazer soar irreal. Até lá, hoje, neste instante, aqui à janela de onde vos espreito, é-me urgente gritar este milagre do amor. É-me imperioso dizer-vos o quão inspirador me tem sido esse milagre. Está quase. O amor ganhou. Olho-vos da janela e tenho em mim essa certeza”

 

P.S.  Possam todos os meninos terem um pai como o Nicolau

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