O choro do silêncio
E falou. Falou para ouvir o seu silêncio. Falou para um exíguo céu de cobalto. Queria ouvir a sua voz a rebentar no fundo de si. Falou para a desconstrução do escuro. Para a desocupação de estreita faixa de luz que o atravessava. Queria um caminho límpido para a sua voz. Um caminho desimpedido onde ouvisse a rebentação do mar a ecoar dentro de si. Falou por tudo o que se escondia no seu poço. Pelo mergulho na tela que escondia a sua vida. Falou por dentro da memória que teimava em desaparecer. Falou para a muralha que lhe tapava o caminho. A sua voz atravessou as frestas do seu corpo sedento de nudez. Do seu corpo profundo. Alado. Borbulhante. Vivia nele uma oceânica explosão de vozes. Só uma falava. A do seu silêncio. Reconheceu-a nesse emotivo momento. Nesse grandioso tempo sem espaço. Nesse mergulho negro sobre o coração. E falou. Como se a alma expelisse pequenas bolas coloridas. Soberanas frases que gravou em aras de catedrais vazias. Múltiplas pulsações de pele arrepiada saíam da sua boca. Fatais estrelas de letras caíam aos seus pés. Era o seu silêncio...a chorar.