O desfile dos dias
Os dias desfilam numa espuma monocórdica. As folhas das árvores avermelham-se. Os sorrisos esgotam a minha paciência. Olho o desapego dos plátanos. Esmoreço. Sinto o deslumbramento da desordem dos dias. Enquanto olho uma folha que se despega do ramo...penso em inúteis fórmulas mágicas. Em sistemas de deslumbrantes felicidades. Em postais de lugares onde não ponho os pés. Elogio a chuva. Aceito todos os detalhes de um jardim onde passo as horas. Resisto a compreender o tempo. Rui Veloso ecoa dentro de mim...ai senhor das furnas, que escuro vai dentro de nós. E tão naturalmente como quem colhe uma flor...liberto-me dessa sensação de arder de tarde. Fio o tempo na roca da eternidade. E acho que a realidade é uma esguia figura de Modigliani.
Posso descrever a dialética das horas inúteis como quem observa uma estátua grega. No fundo dos copos...uma madrugada. No tombar da noite...uma carícia. E pouco a pouco ressurge em mim a mera dissolução dos dias. Dou voltas e mais voltas para perceber o conteúdo de um olhar. Atravesso ruas. Em cada esquina um pedido. A chuva mostra-nos a nossa gregária vontade de acompanhar o destino. As pessoas são feitas de destinos. As pessoas destinam-se ao destino. E, às vezes, apenas por breves instantes, a nossa alma roça o espelho da eternidade.
Sentir amor por uma flor. É o mesmo que sentir o hálito de um desassossego. Ou, sentir o cheiro a lavado de uns lençóis de linho. Subjectividade. Sempre a subjectividade a tornar-nos poéticos. Descartar a moralidade também é fazer poesia. Gostar de alguém é acender um fogo. De nós soltam-se limalhas. Indecências. Não temos a etiqueta dos preconceitos. Abominamos preconceitos. Gostamos mais de mistérios e de ilusões. E, porque sabemos que o infinito mora na petrificação dos céus...sentimos que somos a matéria...do caos universal.