O Pregão do Silêncio - livro sétimo
Há tão poucas coisas a dizer
há tanto fim e tanto céu
que na obscuridade do infinito
se esconde o fim e o princípio de nós
Tenho silêncios que me envolvem
Tenho um cais e um barco e uma flauta
Tenho uma roda de estrelas mortas à nascença
E uma seara de dúvidas azuis
Despontando nos meus olhos de criança.
Troquei a verdade pelo poente
E a morte por uma borboleta verde
Troquei de estrada e fiz uma escultura
Troquei a lonjura da escuridão
Por um fio do teu cabelo.
Tenho na boca um sabor a metal
Tenho um laço negro e um avião de papel
Da minha boca caem tranças
Das minhas dúvidas nascem tempestades
E as estrelas choram com pena do meu silêncio.
Pergunto-me
Se em mim nascesse a vontade
De não ser mais que um pequeno e minúsculo silêncio
Se do meu corpo jorrassem constelações
De velhas lendas sem sentido
E eu acreditasse que a vida é feita
De impassíveis pedras astrais
Então...
Eu viveria como se tivesse um mar dentro dos meus olhos
E talvez até fosse capaz de dizer
Como é que os rios talham esfinges no granito
Que dorme nas faldas das serras
Seria como se dentro de cada rocha
Me esperasse a eternidade
Mas a eternidade que procuro vive numa outra idade
Vive numa outra arquitectura de tempo
Poia agora sei...que essa eternidade
Está nos teus olhos feitos de água doce
Está na tua pele e na tua ausência.
Línguas de fogo
Há dias em que as palavras são línguas de fogo. Há dias em que as palavras são artefactos mudos. E há ainda outros dias em que as palavras são novelos. São náufragos. São cadáveres embuçados com cicatrizes na face. As palavras têm uma crueldade própria. Uma solidão vazia. Um ácido corrosivo. Um cheiro a vinho. Um refinamento potássico. Umas vezes são impulsos da alma. São véus e são pequenos pulgões de tédio. As palavras acendem-se. Deitam fumo como as chaminés. Queixam-se. São gueixas calçando okobos apertados. São tímidas. Alegres. Floridas. São estrepitosas agulhas. Sentem. Sofrem. São sebes e são almas. Personagens de Dante. E vivem...na exaustão das pessoas.
Texto do livro Silêncios de papel publicado em setembro 2022
Não sei de onde vem o mar
Mas todos os dias o espero
Como se eu fosse a praia onde ele vai desaguar
Não sei de onde vem o dia
Mas entre a espuma e o ouro das manhãs
Lá estou eu....desperto...
Como quem acorda dentro de um milagre.
Não sei mesmo de onde venho
Mas a casa branca onde habito
Tem por tecto a fantasia de um selvático céu.
(Poema 66 do livro Na brecha dos dias)
Sorris ... num sonho luminoso e longínquo
Como se fosses um longo encanto que me iluminou as trevas
Onde eu permanecia....como um gigante... que bebia a tua luz
Era um sonho feito de uma noite húmida...derradeira
Nascida de um verão feroz e profundo...como uma censura
Bebi desse cálice de onde despontava timidamente a tua natureza
E... foi um encanto...o ar da noite...uma aventura
Uma volúpia feérica...um corpo de marfim...uma fundura...
Onde me despi...nos exílios profundos da ternura.
(Poema do livro Chão de palavras publicado em 2021)
Não sei que pétalas se escondem por detrás da imensidão do tempo
Mas o frio da distância...esse sublimado estar por detrás das palavras
Esse leme que nos conduz às memórias de serranias e de ventos
Esse sermos nós...feitos da alma da terra...é o que nos aquece
É o que vela pela nossa pulsação
É o que circula por dentro da lonjura caiada das casas onde nascemos
Como um artefacto feito do sangue intacto dos nossos avós...
(Excerto deste livro publicado em 2020)
P.S. - escrevo sob pseudónimo