Onde o vento passa
Levanto-me…
Dói-me a aceitação do dia
Sou um farol na ponta de um paredão dormente
Há sempre um outro a escorrer de mim
A alastrar como rugas na minha pele seca
Ou como uma mancha perdida
Que rasga o quadrante da minha sombra
Ocasionalmente ocorre-me uma afasia de espanto
Como uma chuva do acaso ... sinto cheiros...cores
Coisas simples que me assolam
Como se fossem restos de tempo…
Iluminadas pelo clarear do dia
Sobre a mesa tenho fotos esquecidas
Desbotadas pela lenta luz das vidraças
Quebradiças como olhares
Que preguiçam no leme dos dias
Olho a insensatez dessas fotos
E sinto que tudo ali foi apagado
Como um desejo impiedoso
Gravado na carne extinta da luz
Por fora pessoas
Por dentro irrealidade e espanto
Afogados numa letargia de sonho…
Salpicos de dias …desgrenhar de vozes
Marés abertas aos rochedos do frio
Abrigo de gelo onde nada acontece
E onde o vento passa
Roçando-se pela respiração da minha alma
Que se solta num silêncio de véu encoberto
Pelo imprevisível corredor da vida...