Os restos da noite
Conheço esta rua como se vivesse nela
Guardo-a em mim todas as manhãs
Levo-a comigo até ao mais longo rufar do dia
Sinto-a como se domasse um sonho
E também levo comigo as pessoas que passam ao meu lado
Guardo-as dentro das mãos...respiro o seu ciclo lunar...
Hei-de senti-las pulsar dentro de um espelho...
Quer queiram ou não
Um dia...penso que vi um cavalo a brilhar sobre a sombra da vida..
Sonhei?
Ou era eu o cavalo que vivia nos ponteiros
De um indecifrável relógio?
Abrem-se janelas...
O meu sonho é viver dentro de cada uma delas
Aprisionar a perfeição dos dias
Como se habitasse a auréola de uma espiral com olhos de lince
Às vezes as minhas mãos sobem até aos degraus onde a existência se apaga
Libertam-se das noites e convertem-se à eternidade das paredes..
Sobem por elas...a pulso...
Se me chegasse uma mensagem gravada na saudade? Que me diria?
Talvez me falasse daquela manhã em que confundimos o mar com o céu
E me dissesse que o peso das horas é uma eternidade dentro do corpo.
Há chamas no meu sangue...
Converso com os espinhos que se cravam na pele
Aparentemente a cidade desgasta-se nas esquinas
Aparentemente os corpos assombram a lua
E o sentido das coisas faz-se de coisas sem sentido
Mas amanhã o sol é capaz de me devorar
E tudo cumprirá o seu ciclo de papel amarrotado
Pelas frases que se libertam das pessoas.
A madrugada desponta...
A manhã consome os meus restos da noite.