Perder a fé
Perder a fé. Rasgá-la em pequenos sentidos da existência. Dispensar a imortalidade. Calar a metafísica. Falar apenas com gestos de silêncio. É preciso sorrir. Perceber a mística gasosa do dia. Amassá-lo numa masseira de calmos exercícios budistas. Diz-me o instinto que a luz se reflete no tempo. Que o tempo é uma forma de sentir a insistente revolta do corpo. Anseio por uma luz asséptica. Limpa de fés e de filosofias. Uma luz descuidada. Fechada num corropio de sentimentos. Maravilhada. Às vezes vejo o meu corpo encostado a uma vida. Outras a um escombro. Outras ainda a equilibrar-se numa remota tese arruinada de mim próprio.
Seja como for. Quero incomodar as pessoas. Beijar o asfalto. Realizar tudo o que seja proibido. Agitar..agitar...agitar...esse xarope de vida débil e tediosa. Ter ideias. Confessar os meus pecados aos cães. Já me passou pela cabeça vestir um fato feito com flores. Sair para a rua. E lentamente...despir-me. Oferecer o meu fato aos passantes. Flor a flor...despir-me das flores. Despedir-me das flores. Com gestos de quem não está ali. Era uma forma original de dizer que a vida vale a pena.
E a existência? Essa linguagem de xadrez anestesiado. Essa fantochada. Esse recôndito catálogo dos dias. Olhamos a rua e vemos a ausência de alguém. E sabemos que há coisas que são de todos. A noite, por exemplo,ou o assobio do vento. E tudo a escapar-se pelas rugas de um poema.